O escritor e bibliófilo argentino Alberto Manguel recuperou as personagens imaginárias que conheceu nas suas leituras de infância e apresenta-as aos leitores, num livro que o próprio ilustrou e que chega às livrarias portuguesas na próxima sexta-feira.

“Monstros Fabulosos”, editado pela Tinta-da-China, com o subtítulo “Drácula, Alice, Super‑Homem e outros amigos literários”, é ilustrado pelo próprio autor que, com erudição e humor, apresenta mais de 30 das suas personagens literárias favoritas.

É o caso do Jim de Huckleberry Finn, do monstro de Frankenstein, da Capuchinho Vermelho, da inteligente Phoebe de “À Espera no Centeio” e até do português Mandarim, de Eça de Queirós.

Personagens que desde a infância começam a fazer parte da vida de quem gosta de ler e lá ficam para sempre, acompanhando o leitor no crescimento, fazendo companhia a outras personagens que entretanto surgem e ganhando significado para lá dos livros de onde saíram, como amigos de longa data com quem se partilha experiências, aprendizagens e emoções, considera Alberto Manguel, no prefácio do livro.

“Ao contrário dos seus leitores, que envelhecem e nunca voltam a ser jovens, as personagens ficcionais são, ao mesmo tempo, quem eram quando lemos as suas histórias pela primeira vez e quem se tornam no decurso nas nossas sucessivas leituras”, porque, como assinala o autor, “não lemos nunca o mesmo livro”.

As personagens mudam a trama a cada leitura que se faz, iluminam umas cenas e obscurecem outras, acrescentam um episódio que se havia esquecido ou um pormenor que tinha passado despercebido, esclarece, afirmando que as melhores personagens de ficção muitas vezes parecem mais vivas do que amigos de carne e osso.

Socorrendo-se de algumas das muitas leituras que fez ao longo da vida, Alberto Manguel, considerado um dos maiores bibliófilos do mundo, lembra que leitores do mundo inteiro veneram escritores como Shakespeare e Cervantes, mas que esses seres “são menos tangíveis do que as suas criaturas imortais”.

É o caso de Rei Lear e Lady Macbeth, Dom Quixote e Dulcineia, “presenças reais mesmo para muitas pessoas que nunca leram os livros”.

“Aprendi a minha experiência do mundo – amor, morte, amizade, perda, gratidão, desconcerto, angústia, medo, tudo isto e a minha própria identidade em mutação – com personagens imaginárias que conheci nas minhas leituras, muito mais do que com a minha misteriosa cara no espelho ou o meu reflexo nos olhos dos outros”, conta o escritor.

Recordando que passou a infância a viajar de casa em casa, porque o seu pai era diplomata, e que os quartos em que dormia mudavam constantemente, era nos livros que se ancorava e encontrava conforto e segurança.

“Só a minha pequena biblioteca permanecia igual, e lembro-me do imenso alívio que sentia quando, novamente enroscado numa cama desconhecida, abria os meus livros e, ali, na página esperada, se encontrava a mesma história de sempre, a mesma ilustração de sempre”.

Todas as suas emoções encontram referência ou significado numa personagem da literatura, seja na ira vingativa do Conde de Monte Cristo ou na confiança robusta de Jane Eyre, na companhia íntima do “Homem que era Quinta-feira”, que o ajuda a superar o “absurdo do dia-a-dia”, ou na da Capuchinho Vermelho, que o guia pelos bosques escuros da vida, assim como no vizinho de Sancho, Ricote, que lhe permite entender parte da noção de preconceito.

Alberto Manguel confessa também que sente muitas vezes a mesma pulsão de vingança de James – filho de Mrs. Ramsay, de “Rumo ao Farol”, de Virgina Woolf – quando o pai, numa frase, demoliu o seu sonho de ir ver o farol com mãe, e sente ele próprio vontade de se vingar do “mundo objetivo e paternalista”.

Recuando ainda mais atrás no tempo, Alberto Manguel recorda que os “companheiros de brincadeiras” da sua geração eram a Pipi das Meias Altas e o Pinóquio, o pirata Sandokan e o mágico Mandrake, assim como os das crianças de hoje serão Harry Potter e seus companheiros ou as coisas selvagens de Maurice Sendak.

“Todos esses monstros fabulosos são-nos tão incondicionalmente fiéis, que pouco lhes importam os nossos achaques e fraquezas. Agora, que os meus ossos mal me permitem chegar às prateleiras mais baixas, Sandokan chama-me novamente às armas e Mandrake incita-me a vingar-me dos bandidos”.

Por sua vez – continua -, a Pipi das Meias Altas volta a dizer-lhe para não ligar às convenções e seguir o próprio nariz e o Pinóquio ainda lhe pergunta porque é que, apesar do que a Fada Azul lhe disse, não basta ser honesto e bom para ser feliz.

“E eu, tal como me acontecia lá longe e há tanto tempo, continuo sem encontrar resposta”, diz o autor, que através da partilha que faz neste livro desafia cada leitor a explorar as suas relações pessoais com estes “monstros” imortais e amorosos.

É com Monsieur Bovary, de Flaubert, aquele que fica em segundo plano e que se resigna a um anonimato decente, que Alberto Manguel abre este cortejo de personagens que desfilam ao longo de 38 capítulos e que incluem outros nomes bem conhecidos como Fausto, Super-Homem, Don Juan, Bela Adormecida, Robinson Crusoe, Quasímodo, Satanás, o Avô da Heidi ou Dona Emília, a boneca de pano de “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”.

Outras menos conhecidas figuram também nesta galeria de notáveis para Alberto Manguel, como é o caso de Queequeg, personagem de “Moby-Dick”, Tirano Banderas, personagem criada por Ramón María del Valle-Inclán, Long John Silver, de “A ilha do tesouro”, mas também criaturas lendárias como o Hipogrifo, fruto do cruzamento de uma égua com um grifo, ou o Wendigo, criatura do folclore algonquiano, devoradora de homens.

O livro chega às livrarias no dia 27 de setembro, mas o seu lançamento terá lugar no dia 25 de outubro, em Lisboa, com a presença do autor e apresentação de Ricardo Araújo Pereira e Pedro Mexia.