Intitula-se “O eterno amador”, foi publicada pela Bertrand a constitui a primeira monografia em Portugal de Johann Wolfgang von Goethe, autor e estadista alemão, que fez também incursões pelo campo da ciência natural, e que, como escritor, se tornou uma das mais importantes figuras da literatura.
João Barrento, ensaísta, crítico literário e especialista na obra de Goethe, optou por uma monografia, por preferir falar “do pensamento e da obra dos autores” do que limitar-se a escrever uma biografia, disse à agência Lusa.
Toda a primeira parte do livro “faz uma espécie de biografia literária e de pensamento” do escritor alemão, mas aquilo a que se pode chamar “biografia” encontra-se no final do livro, sob o título “Crónica: uma vida, uma obra, uma época”, e consiste numa cronologia dos acontecimentos.
“Preferi deslocar para aí o que é informação biográfica, de autor e de época, em vez de estar a inseri-la numa biografia convencional, que é coisa que não tenho muita vocação para fazer”, referiu.
João Barrento escolheu dar um título ao livro que é uma adjetivação do próprio Goethe – “eterno amador” –, por ter sido alguém que nunca quis seguir, nem ser “escravo” de “nenhuma corrente, nenhum ‘ismo’ – romantismo ou classicismo” -, tal como o expoente do Romantismo alemão escreveu num pequeno poema no final da vida, um dos milhares de pequenos poemas, que são uma “espécie de súmula de sabedoria de vida”.
Nesse poema, Goethe assumiu que seria sempre “o eterno amador” ou “o amador das coisas e do mundo”.
Esta "biografia literária e de pensamento" procura não só dar uma “visão de conjunto” de quem foi Goethe, mas também fazer justiça a um autor que ficou um “pouco esquecido”, e sobre o qual não havia nada em Portugal – exceto algumas publicações dispersas”.
Embora algumas obras tenham sido traduzidas desde o século XIX, aquelas mais conhecidas, como “Fausto” ou “Werther”, “a figura em si é marginal entre os clássicos, porque se trata de um grande clássico das literaturas da época”.
Aliás, como refere João Barrento no livro, “Goethe é, com a Bíblia e Shakespeare, um autor cuja bibliografia ativa e passiva é das mais impressionantes da literatura universal”.
Goethe, que viveu entre os finais do século XVIII e inícios do século XIX, foi um autor, homem de Estado, advogado, pensador versátil, foi relevante política e socialmente no seu tempo, e escreveu poesia, prosa, memórias, ensaios, crítica literária e estética, tratados de botânica e anatomia, tendo deixado um acervo epistolar de mais de dez mil documentos e cerca de três mil desenhos e pinturas.
“É, à sua maneira, um pensador, embora não tenha nenhuma obra sistemática, mas é um pensador especulativo em que a experiência pessoal está sempre em primeiro plano, é uma figura múltipla”.
Tem outro aspeto importante: aparece numa época “em que muita coisa está a mudar no pensamento, nas artes, e que irá suscitar uma grande viragem para aquilo que podemos considerar a nossa modernidade”.
“É uma figura que, por um lado, assimila quase tudo o que está para trás, desde os antigos gregos e romanos, e por outro, anuncia uma série de coisas que aí vêm, nomeadamente a sociedade capitalista. Os desenvolvimentos que o século XIX depois viu estão muito presentes na segunda parte do ‘Fausto’. É uma figura de charneira, de viragem, e condensa imensos saberes”.
O pensamento do autor mantém atualidade: algumas obras podem ser lidas hoje com sentido de atualidade, por exemplo, toda essa segunda parte do “Fausto”, em que “aparece todo o processo de colonização, da civilização moderna, do capitalismo, do que se poderia chamar a glorificação do feminino, a figura da mulher com uma centralidade muito grande, tudo isso já está ali, é significativo e atual”, descreve o ensaísta.
Depois, “há uma atualidade nos clássicos que lhes vem de tratarem as grandes questões humanas e universais, e esse universalismo Goethe tem muito, sempre sob uma perspetiva humanista”.
Já a presença de Goethe no espaço português tem sido “irregular” e “problemática”, e João Barrento trata esse tema no final do livro, incluindo uma tabela sobre a receção desta personalidade em Portugal, do ponto de vista das obras que foram traduzidas e divulgadas, e da presença dele em alguma literatura portuguesa.
Olhando para esta cronologia, percebe-se que “há bastantes momentos em que é importante”, nomeadamente Fernando Pessoa foi um leitor ativo de Goethe, continuando-o e respondendo-lhe com os fragmentos do “Primeiro Fausto”.
“Há também um momento em que o ‘Fausto’ serviu como uma espécie de pedra de toque de referência importante da geração de Antero de Quental, que referimos como a Questão Coimbrã, as grandes discussões que levaram à supressão final dos últimos romantismos e à entrada numa visão mais moderna do mundo e da literatura”.
O “Fausto” suscita uma grande polémica nessa geração e nessa altura, a que se chamou a “Questão do Fausto”, e vai ser um ponto importante de viragem para uma literatura das ideias e não para uma literatura do sentimentalismo, já esgotada, explica João Barrento.
Goethe volta depois a ser impulsionado em Portugal durante o nazismo, altura em que “há uma certa receção universitária, académica, mais em Coimbra do que em Lisboa, talvez porque é aproveitado de formas contraditórias”.
Para alguns, Goethe era visto como “ícone da germanidade” – o homem fáustico como o homem germânico -, recorda João Barrento. Mas esta ideia era “uma grande falsidade, porque o sentido da sua obra é mais universal do que alemão”.
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