"Dolor y gloria", que estreou na última sexta-feira nos cinemas espanhóis e liderou com quase 181 mil espectadores, tem sido considerado o filme mais intimista do realizador espanhol nos seus quarenta anos de carreira.
Também existem especulações sobre quanto da história será inspirada pela vida do próprio Almodóvar e se o filme poderá ser, de alguma forma, aos 69 anos, a sua despedida do cinema.
O intervalo entre os projetos tem vindo a aumentar e o último filme realmente aclamado foi "A Pele Onde Eu Vivo", em 2011.
Além disso, no elenco está Julieta Serrano, atriz de 86 anos que trabalhou com o realizador no seu primeiro filme, "Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo" (1980), bem como em "Negros Hábitos" (1983) e noutros títulos durante a década de 1980 até "Ata-me" (1989).
Aqui, a história é centrada num realizador melancólico interpretado por Antonio Banderas.
Embora tenha prometido que jamais publicaria a sua autobiografia, Almódovar admitiu estar "emocionalmente nu" neste filme, o seu 21º, em que aborda de uma forma sóbria, quase púdica, o amor, a dor e a reconciliação.
"Precisava de fazer um olhar muito introspectivo a mim mesmo, incluindo a parte mais obscura de mim mesmo, e misturar isso com as lembranças mais luminosas da minha infância", explicou à televisão pública espanhola.
Uma criança que se descobre homossexual num meio rural e católico, dois homens maduros que se beijam ternamente... o seu mundo íntimo encontra-se condensado em "Dolor y gloria", que representa as emoções e os lamentos de uma vida, mas sem os excessos de um melodrama.
"Sou dono das minhas histórias e imponho o meu universo com todo o orgulho e toda a prepotência que isso outorga", disse Almodóvar ao site espanhol eldiario.es.
"E no meu universo há dois senhores mais velhos que se beijam com paixão e, logo depois, um deles volta para a sua vida com a sua mulher e os seus filhos", acrescentou.
Banderas, "o meu Mastroianni"
Aos 69 anos, Almodóvar volta a filmar os olhares de uma das suas atrizes fetiche, Penélope Cruz, a quem confia um papel prominente, a de jovem mãe que se depara com os problemas, mas que se ilumina ao cantar na lavandaria.
A atriz espanhola Julieta Serrano representa a mãe já idosa. A que faz repetir as instruções para o seu enterro. A que insiste, em vão, "não quero que coloque nada de mim nos seus filmes".
Como alter ego, Almódovar escolheu o andaluz Antonio Banderas, 11 anos mais novo, que assumiu os cabelos brancos, para o representar subtilmente sem cair na imitação.
"Levei tempo para compreender que Antonio era o meu legítimo [Marcelo] Mastroianni", confessou Almodóvar ao El Mundo, numa referência ao papel de cineasta depressivo que Federico Fellini confiou ao "seu" ator italiano em "Fellini, oito e meio" (1963).
Banderas, um ator elevado à glória, mas que sofreu a dor pessoal, com várias operações de coração nos últimos anos, consegue expressar a vulnerabilidade de um criador mergulhado no seu apartamento-museu para quem a sua vida "perde o sentido" sem filmar.
Um Banderas que conhece de cor e salteado o cinema de Almodóvar, que conheceu no início dos anos 1980 e com quem gravou nessa época cinco filmes, entre eles "Ata-me!".
Em entrevistas recentes, Almodóvar dedicou-se a esclarecer partes da ficção que não são fiéis à sua biografia: aos nove anos não se apaixonou por um pedreiro, embora isso pudesse ter acontecido. E, não, a heroína descoberta pelo seu alter ego nos ecrãs nunca foi a sua droga. Ele preferiu cocaína.
Grande descobridor de atrizes, o cineasta leva para o cinema a cantora espanhola Rosalía. Em 2018, a artista revolucionou pelo seu flamenco fundido com música urbana. A sua aparição é rápida, apenas o tempo de interpretar uma nostálgica "copla", cantora tradicional que nos leva mais uma vez à infância.
É esperado que "Dolor y gloria" tenha antestreia internacional no Festival de Cannes e posteriormente poderá ser visto nas salas quando chegar a Portugal.
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