A comunicação, feira na sexta-feira, é do investigador e compositor português David Miguel, doutorando em estudos artísticos na Universidade de Coimbra, que explicou à Lusa que a relação entre o fado e a música ‘metal’ portuguesa teve os primeiros exemplos na década de 1990, com casos como os Moonspell, mas foram pontuais e é, por isso, uma relação que “não está muito explorada”.

“Começaram a aparecer mais coisas a partir dos anos 2010, que ligam o ‘metal’ e o fado”, afirmou David Miguel, que deu como exemplo o caso “um pouco inaugural” de um álbum, “Fado Metal”, de 2013 do guitarrista Ricardo Gordo, a que se seguiram “outras bandas que começam a integrar a guitarra portuguesa”.

O investigador explicou que “a ligação do fado com o ‘metal’” tem “duas dinâmicas principais”: a guitarra portuguesa e a voz.

No caso da guitarra portuguesa, tem vindo a crescer na última década, mas no âmbito da voz há menos exemplos e um caminho ainda menos explorado, segundo David Miguel, que referiu, neste âmbito, um trabalho recente de Paula Teles, o álbum “Entre Paredes”, criado no âmbito do centenário de Carlos Paredes, como “uma tentativa mais sólida” de “juntar tudo num álbum conceptual”.

Segundo David Miguel, como acontece com o heavy metal de outros países, o ‘metal’ português incorpora desde os anos 1980 manifestações “ou identificadores” da cultura nacional, nomeadamente ao nível da língua e do uso de iconografia e “de um imaginário cultural geral”.

Há, por exemplo, frequentes referências ao mar ou aos navegadores portugueses, assim como a presença da palavra saudade, mas também casos como um álbum dos Moonspell dedicado ao terramoto de Lisboa de 1755 (“1755”, de 2017).

Trata-se de uma presença na música ‘metal’ de “identificadores da cultura” portuguesa e de acontecimentos históricos nacionais que se tem mantido ao longo de décadas, até hoje, e “perfeitamente em linha” com o que acontece com o ‘heavy metal’ de outras nacionalidades, sublinhou o investigador.

“Mas quando falamos de ‘metal’ português falta o fado”, disse David Miguel, que realçou que existem, porém, “linhas comunicantes” entre os dois géneros.

“O fado é melancólico, triste, lamentoso, tem um certo peso, algo que partilha com um certo universo emocional, emotivo, que também está presente no ‘metal’. O ‘metal’ é conhecido como uma música pesada e isto são linhas comunicantes entre os dois géneros”, afirmou.

David Miguel insiste numa “amplificação” da relação do fado e do heavy metal português, que o transformaria em “algo único” e, na opinião do investigador, com potencial a nível internacional, por ser um traço distintivo, tal como aconteceu noutros países e continentes.

O investigador deu o exemplo do “metal asiático” ou “metal oriental”, designações que são associadas a um determinado instrumento ou a uma certa sonoridade de escalas.

“A presença de identificadores da cultura portuguesa no ‘metal’ está perfeitamente em linha com a presença de identificadores de outras culturas no ‘metal’ dos respetivos países. O que, provavelmente, não está assim tão feito é a amplificação dessas características. E se fossem amplificadas, se calhar, os fãs do metal descobririam que há em Portugal outros géneros de música que também lhes poderiam trazer o mesmo tipo de satisfação”, afirmou David Miguel, cuja área de investigação atual é a “música clássica e o heavy metal”.

A 7.ª Conferência Internacional Bienal de Estudos sobre a Música Metal terminou na sexta-feira, em Sevilha, organizada pela Sociedade Internacional sobre os Estudos da Música Metal (ISMMS, na sigla em inglês), de cuja direção faz parte David Miguel. A conferência de 2025 teve o apoio de diversas universidades espanholas.

A iniciativa contou com mais de 100 comunicações de investigadores de diversos países e continentes, relacionadas com o heavy metal e abarcando âmbitos tão diversos como a musicologia, a sociologia, a cultura, a psicologia ou “a demografia dos fãs”.

David Miguel explicou à Lusa que a ISMMS nasceu há mais de uma década e depois de, nos anos de 1990, ter “começado a surgir o interesse sociológico nesta área de estudos” e de, já no arranque do século XXI, “se ter começado a abrir o leque das áreas de interesse no estudo do heavy metal como género de música em diversas perspetivas”. A ISMMS publica há dez anos uma revista científica.

“Penso que talvez haja alguma necessidade de a Sociedade [a ISMMS] e de os ‘metal studies’ se ligarem um pouco mais à indústria, ou seja, estudarem um bocadinho mais o ponto vista dos negócios, dos modelos de negócio, como sobrevivem os artistas. Não tanto só o interesse sociológico, mas também mais a musicologia”, defendeu David Miguel, a propósito do universo atual dos estudos da música metal.