"Bem-vindos ao meu espetáculo. O meu espetáculo chama-se 'Nanette'. E chama-se 'Nanette' porque lhe dei o nome antes de o escrever. Dei-lhe o nome na altura em que conheci uma mulher chamada Nanette... que achei muito interessante. Tão interessante... Pensei: 'acho que podes render uma boa hora de gargalhadas, Nanette. Mas afinal, não". É desta forma que a australiana Hannah Gadsby arranca o seu espetáculo de stand-up comedy, filmado na Ópera de Sydney e disponível na Netflix. Os primeiros minutos arrancam risos e mais risos ao público, não deixando no ar a ideia de que tudo poderá mudar pouco depois.
Veja o trailer:
Em poucas semanas, "Nanette" tornou-se num fenómeno global - depois de "La Casa de Papel", nenhum outro conteúdo da Netflix tinha agitado tanto as redes sociais este ano. Mas porque é que o formato da era #MeToo da humorista australiana está a conquistar o mundo?
Comecemos por conhecer a protagonista. Hannah Gadsby é uma humorista australiana, natural da Tasmânia, que normalmente fala das suas experiências como lésbica assumida. Durante a sua carreira, em palco, tem apostado num estilo autodepreciativo. Mas cansou-se, fartou-se da comédia de stand-up e quis desistir da sua carreira de humorista.
"Acho que tenho de deixar a comédia. Este não é o melhor sítio para fazer este anúncio, pois não? (…) Mas tenho questionado esta coisa da comédia", diz a humorista durante "Nanette".
Para a despedida, Hannah Gadsby preparou uma noite na Ópera de Sydney e tentou fazer o que parecia impossível: fazer um espetáculo de humor onde questiona por completo o papel da comédia e da arte em geral, acusando-a de perpetuar a opressão patriarcal.
Em "Nanette", a humorista deixa claro o seu ponto de vista: ao contrário do ditado popular, rir não é o melhor remédio. Para a comediante australiana, é a penicilina. Depois de arrancar risos, desfila pela sua história que nunca foi contada de forma completa porque, na visão da própria, as piadas não o permitem.
"Aprendemos com a parte da história em que nos concentramos. Preciso de contar a minha história como deve ser", frisa. E dá um exemplo prático e que prova ser uma "chapada de luva branca" - no arranque do espetáculo, Hannah Gadsby recorda a vez que um rapaz a confundiu com um homem, arrancando gargalhadas com a história. Mais à frente, a comediante revela mais detalhes sobre o que aconteceu: o rapaz acabou por a espancar e a australiana não apresentou queixa.
Depois dos minutos iniciais, espirituosos, a humorista cria tensão. "Eu não tinha de inventar a tensão. Eu sou a tensão", frisa, recordando que até 1997, na sua terra natal, a Tasmânia, a homossexualidade era ilegal e que, por isso, quando descobriu que era lésbica, já era homofóbica.
Em "Nanette", Gadsby analisa a sociedade e como viveu sempre na margem. Deixa claro que o fazer rir os outros contado a sua dor tornou-se numa profissão. Agora, para a comediante, o silêncio é a sua cura - no final, a australiana senta-se em casa com os seus dois cães e deixa os espectadores em suspenso.
Para muitos profissionais do stand-up, depois de "Nanette, o humor nunca mais será igual. E os elogios têm-se multiplicado.
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