A temporada do Teatro Nacional D. Maria II arranca a 22 de setembro, com o espetáculo “Casa Portuguesa”, da autoria do novo diretor artístico, Pedro Penim, que imprimiu a sua “personalidade” numa programação com propostas ainda do seu antecessor.

Uma homenagem a Ruy de Carvalho, nos 80 anos de carreira do ator, a leitura de "grandes clássicos" do teatro brasileiro, quando se assinalam 200 anos de independência do Brasil, a associação à Temporada Cruzada Portugal-França, com a peça de Joël Pommerat “Ça ira (1) Fin de Louis”, que termina em Lisboa a sua digressão, e o lançamento do projeto “Antecipar o Futuro”, a pensar em novos criadores, são outras propostas dessa programação.

Pedro Penim assumiu funções como diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM), em Lisboa, em novembro do ano passado, sucedendo no cargo a Tiago Rodrigues, que irá dirigir o Festival d'Avignon, um dos mais importantes eventos mundiais de teatro, a partir de 2023.

Esta é primeira programação de Pedro Penim para o TNDM, que herda ainda alguns espetáculos programados por Tiago Rodrigues até ao final de 2022, mas que manifesta já a sensibilidade artística do novo diretor, a quem coube a incumbência de desenhar por completo a programação para 2023, ano em que o teatro fecha para obras e entra em digressão, fazendo do território nacional o seu palco.

Recordando a sua chegada ao Teatro D. Maria, Pedro Penim contou em entrevista à agência Lusa que “todo esse processo de conhecimento do terreno, daquilo que se faz, das equipas, demorou bastante tempo, porque é bastante complexo”.

“Estamos a falar de um sítio onde há muitas possibilidades e onde acontecem muitas coisas. Em termos do que trago para esta programação, é ainda uma programação partilhada com o meu antecessor. O Tiago [Rodrigues] programou até ao fim de 2022, com alguns espaços onde incluí alguns espetáculos, esses sim propostas minhas, que vão no sentido de criar programação com um mote que é 'antecipar o futuro'".

Esta ideia surgiu porque, para o diretor artístico, “pensar teatro é esse exercício de se antecipar o que não se conhece, mas baseado nos ensinamentos milenares do que é a arte teatral”.

“Há uma duplicidade que cabe bem a esta casa, que é de tradição, de memória, mas também projetada para o futuro, e as propostas de programação vão muito nesse sentido: tentarmos pensar o que é a nossa identidade, a nossa tradição teatral, mas pensá-la para os dias de hoje e pensar nas formas que aí vêm e que ainda não conseguimos dizer, há esse elemento de futurologia, que é muito aliciante”, considerou Pedro Penim.

Em termos daquilo que é a sua sensibilidade artística, assume que é diferente da do seu antecessor e considera que há uma “abertura ainda maior às diferentes identidades que estão no território português e às diferentes comunidades".

“É uma programação que pensa de uma forma muito crítica o que é a identidade portuguesa, o que é o território português, é uma programação que tenta repensar a história, não só a história contemporânea, mas também a história mais recuada, de alguma forma transformá-la também à sensibilidade dos dias de hoje, e há muito humor, é uma marca que para mim é bastante relevante. É nessa combustão de todas estas ideias que, se calhar, se encontra, sem ser a minha marca, a minha personalidade”, explicou.

Para Pedro Penim, este é um “momento decisivo” para as artes performativas em Portugal e especificamente para o teatro, e por isso considera que 2023 vai ser um ano de “grande revolução”, porque será um período de “digressão pulverizada pelo país” e, ao mesmo tempo, “com necessidade de pensar o que significa o teatro em Portugal em 2023”.

Para designar a próxima temporada do TNDM, sobretudo a desenhada para o próximo ano, o diretor artístico recorreu à expressão “odisseia nacional”, porque se trata de “um empreendimento que é na verdade épico, e que tem esse lado épico, porque o teatro nasceu na Grécia - há aqui uma piscadela de olho a essa ideia de epopeia clássica grega - e, depois, o que é muito relevante, é que estaremos em mais de 90 municípios em Portugal".

No entanto, Pedro Penim não quis adiantar projetos programados para esse ano, explicando que a apresentação da temporada completa será feita no dia 18 de novembro, exceto aquele que vai ser o espetáculo de arranque oficial da digressão, a “Casa Portuguesa, no Teatro Nacional São João, no Porto, a mesma peça que abre a programação em Lisboa.

A ideia da “Casa Portuguesa” surgiu quando Pedro Penim percebeu que poderia propor um espetáculo para a abertura da temporada, e começou a pensar não só na sua posição enquanto diretor daquela que é considerada a casa do teatro português, mas também na própria ideia de casa, que “é uma ideia que tem evoluído muito ao longo da história portuguesa, não só a casa mas quem ocupa a casa, a família, o chefe da casa, como ele se vai modificando na sua índole e na sua forma de ação”.

“Comecei então a misturar isso com algumas leituras que já vinha a fazer de um filósofo de que eu gosto muito, que é o Emanuele Coccia, que escreveu uma obra que se chama ‘A filosofia da casa’, portanto, nesse sentido de refazer o pensamento do que é a casa, sobretudo depois da pandemia, porque as nossas casas também se alteraram muito com a pandemia”.

Junta-se a estes fatores um “documento” que, para o também ator e encenador, é “muito importante”, porque tem a ver com a sua casa, no sentido da sua família.

“O meu pai fez a guerra de África como soldado, obrigado como muitos que o fizeram, e escreveu um livro, a propósito da sua estadia em Moçambique, um diário, a que chamou 'No Planalto dos Macondes', e então eu faço uma mistura entre esse documento filosófico que andava a ler, essa ideia da reformulação do que é a casa portuguesa - obviamente a canção que a Amália celebrizou, 'Casa Portuguesa', dá também uma ideia do que era a casa portuguesa do antigamente e como ela já não se verifica -, e depois essa relação familiar com esse documento do meu pai, que é tudo transformado em ficção, em teatro”, revelou.

Outro destaque da programação apontado por Pedro Penim é o projeto “Antecipar o Futuro”, que sublinha “uma necessidade do teatro, que é muito premente, que é muitas vezes os jovens criadores não terem espaço para criar, livres da apresentação”.

Então, o novo diretor do TNDM pensou que este seria o “sítio ideal” para que estes criadores pudessem estar em residência a criar os seus espetáculos e poderem ali “mostrar o seu processo”.

“Acho que essa ideia de mostrar o processo é muito atraente para o público, porque o público conhece melhor os artistas, e para os artistas dá-lhes a possibilidade de discutir a obra que estão a criar. Portanto, o 'antecipar o futuro' é um ciclo de arte contemporânea, uma mostra de arte contemporânea que junta a essas duas residências, à mostra do resultado das residências, concertos, instalações debates, e são esses dois momentos, o ‘antecipar o futuro’ e a ‘casa portuguesa’, que acabam por ser o momento de abertura de temporada”.

Referindo alguns exemplos de iniciativas a decorrer no âmbito do projeto “Antecipar o Futuro”, Pedro Penum adiantou que Emanuele Coccia foi convidado a estar no D. Maria e aceitou, “um prazer gigantesco e um privilégio, poder ter um pensador e um filósofo desta envergadura aqui no teatro”.

Está previsto também um concerto das Fado Bicha, que estarão igualmente no elenco da “Casa Portuguesa”, bem como a presença dos El Conde de Torrefiel, uma companhia espanhola que estará a fazer um 'workshop' e a mostrar o produto do seu trabalho.

“São nomes com alguma relevância, mas apoiados na ideia do experimental, enquanto o espetáculo que está na sala Garrett é um espetáculo mais clássico, no sentido tradicional de um espetáculo de teatro, mas depois tudo o que se passa durante essa mesma abertura é no sentido de pluralizar, de abrir para outros formatos que o teatro também tem”.

Até dezembro, está ainda programado um espetáculo francês que é patrocinado pela Temporada Cruzada Portugal-França, de Joël Pommerat, sobre a revolução francesa mas adaptada à realidade contemporânea.

Intitulado “Ça ira (1) Fin de Louis”, é um “espetáculo de muito sucesso que já esteve em muitos sítios e que terá aqui em Lisboa a sua última apresentação". "Terminará a carreira aqui no Teatro Nacional”, entre os dias 28 e 30 de outubro.

“Teremos depois uma homenagem a Ruy de Carvalho, que faz 80 anos de carreira - um número redondo e quase impossível de pensar -, e que tem aqui a sua casa, fez aqui muitos espetáculos. Não se estreou aqui, mas quase. E então teremos, no dia 26 de novembro, um dia de grande homenagem a esse enorme ator”, disse.

Outro destaque da programação partiu de um convite da Embaixada do Brasil, que está a celebrar 200 anos da independência e, nesse contexto, fez uma proposta para fazer leituras de teatro brasileiro, de grandes clássicos: “Fale baixo senão eu grito”, de Leilah Assumpção (22 de outubro), “O auto da compadecida”, de Ariano Suassuna (08 de outubro), “Agreste”, de Newton Moreno (15 de outubro), e “O beijo no asfalto” (01 de outubro), de Nelson Rodrigues, “que é o 'super clássico' do teatro brasileiro e vai ser um momento muito aliciante”.

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