Um “alerta” para o “mau exercício do poder”, evitando que este regresse, é como Marco Medeiros define “Ricardo III”, a peça de Shakespeare que encena e se estreia quinta-feira no Teatro da Trindade, em Lisboa.

Já para o diretor artístico do Trindade, Diogo Infante, que dá corpo à personagem principal, a peça é "um grito de resistência".

"Todos estes momentos que estamos a viver, e que ao mesmo tempo põem a nu uma crónica fragilidade de uma classe pouco valorizada neste país, levantam a necessidade de um debate urgente sobre uma realidade que é gritante num país que, apesar de pequeno, tem de tratar melhor os seus artistas”, sublinhou Diogo Infante à Lusa.

Um texto que se enquadra “em qualquer ano, em qualquer altura da humanidade”, já que aborda “o poder por si só, como forma de força e mal executado” e “neste momento, tal como em vários momentos da nossa história assistimos a essa má aplicação do poder”, acrescentou Marcos Medeiros à agência Lusa.

“Na nossa atualidade temos várias frentes, várias forças a quererem que isso aconteça”, observou. “Infelizmente, a quererem inibir-nos a liberdade, a democracia”, incluindo em Portugal, apesar de não ser “em grande escala e ainda controlado”, frisou Marco Medeiros.

Por isso, o encenador disse que, mais do que contar a história de Inglaterra, apostou numa abordagem “sobre a condição humana”, que é algo que ultrapassa o texto clássico do maior autor de língua inglesa.

créditos: MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Escrito por Shakespeare na primeira metade da década de 1590, o texto baseia-se na história de Ricardo III de Inglaterra e retrata a ascensão e queda iminente do último monarca da casa de Iorque, que reinou entre 1483 e 1485.

Trata-se da nova produção do Teatro da Trindade, que se devia ter estreado em abril e acabou por ficar suspensa durante seis meses na sequência do primeiro estado de emergência decretado pelo Governo em março para contenção da pandemia de covid-19.

O convite para encenar esta peça partiu do diretor artístico do Teatro da Trindade/Inatel, tendo Marco Medeiros aceitado o repto, por, “há algum tempo, ambos terem vontade de trabalhar juntos em teatro”, referiram Marco Medeiros e Diogo Infante.

Um texto escolhido pelos dois - que apenas tinham trabalhado juntos em televisão - e que veio muito a calhar nos tempos que correm, sublinhou Marco Medeiros, diretor da companhia Palco 13.

Para mostrar que “a condição humana, o nosso ADN, esta ambição pelo poder não mudou”, apesar dos avanços tecnológicos, científicos e culturais havidos desde a altura em que o Bardo escreveu a peça, frisou.

Daí que tenha optado por colocar a personagem central do texto – “um perfeito assassino, sem escrúpulos nem filtros e que não mede nada para atingir o seu objetivo que consiste na obtenção do poder apenas pelo poder e pela força” – a interagir com o público.

“Para provar que esta realidade existiu, continuará a existir e não há como mudar”, frisou.

A protagonizar Ricardo III vai estar Diogo Infante, papel com o qual se sente “testado, ansioso e entusiasmado”. Tudo sintomas da “enorme responsabilidade que sente ao abraçar um papel desta dimensão e com esta responsabilidade”, realçou o próprio em entrevista à Lusa.

O convite a Marco Medeiros para a encenar deveu-se ao facto de conhecer o trabalho desenvolvido por este na Palco 13 por conhecer e gostar do trabalho que tem desenvolvido na companhia que dirige e estar “seguro de que iria trazer um olhar jovem, fresco e provocador” ao texto de Shakespeare.

Um trabalho que “tem sido muito refrescante” para Diogo Infante já que o tem tirado da sua “zona de conforto enquanto ator”, observou.

“O que torna este Ricardo tão especial e único é o facto dele fazer do público seu cúmplice, sua testemunha. Ele fala muito e diretamente para as pessoas”, explicou Diogo Infante.

Curioso para ver “como o público vai reagir” com a personagem a que dá corpo, “com a qual não é difícil encontrar paralelismos na política nacional e internacional”, Diogo Infante qualifica “Ricardo III” como “um grito de resistência”.

Poder partilhá-lo neste momento que Portugal(e o mundo) atravessa é, para Diogo Infante, uma afirmação: “Mostrar que estamos aqui, que estamos vivos, que estamos na luta e não desistimos daquilo que amamos e fazemos, e sabemos fazer”.

“Porque é muito importante não ceder ao medo, e à inércia e à paralisação”, sublinhou.

Com tradução e dramaturgia de Maria João da Rocha Afonso, a peça conta também com a interpretação de Diogo Martins, Gabriela Barros, Guilherme Filipe, João Jesus, João Vicente, Romeu Vala, Sílvia Filipe, Virgílio Castelo e Brandão de Mello, Constança Carvalho Neto, Inês Loureiro e Joana Antunes.

A cenografia é de F. Ribeiro, os figurinos de Dino Alves, o desenho de som de João Cruz e o de luz de Stageplot.

“Ricardo III vai estar em cena na sala Carmen Dolores até 31 de janeiro. Terá espetáculos de quarta-feira a sábado, às 20:30, tendo sido canceladas as récitas de 28 e 29 de novembro e de 05 e 06 de dezembro.

Nos dias 23, 24, 25, 30 e 31 de dezembro não haverá espetáculos, tal como no dia 01 de janeiro de 2021. Na véspera da estreia, haverá um ensaio solidário cuja receita reverterá a favor da Fundação Champagnat - Casa da Criança de Tires.