“De Espanha vieram sempre para Saramago bons ventos dos seus escritores espanhóis e hispânicos”, disse Marcelo Rebelo de Sousa na cerimónia de depósito na Caixa das Letras do Instituto Cervantes, em Madrid, de uma parte do legado do escritor português José Saramago.

O chefe de Estado também realçou o “bom casamento que, ao contrário de um famoso provérbio, também pode soprar de Espanha, como o vento”, numa alusão ao casamento do Prémio Nobel português com a espanhola Pilar del Rio, também presente na cerimónia.

A líder da Fundação José Saramago foi responsável pelo depósito de alguns “tesouros” de José Saramago, documentos e objetos que a partir de agora ficam sob custódia do Instituto Cervantes, que em Espanha corresponde ao Instituto Camões em Portugal.

Marcelo Rebelo de Sousa presidiu à sessão solene, que contou com as presenças do ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, José Manuel Albares, e do ministro da Cultura espanhol, Miquel Iceta, entre outros.

O Presidente da República sublinhou que “nunca é de mais valorizar essa política de memória” que o Instituto Cervantes promove, acrescentando que em Portugal “o espólio nem sempre merece das instituições” a importância que devia merecer.

A 23 de março último foi assinado em Lisboa um convénio de colaboração entre a Fundação José Saramago e o Instituto Cervantes que prevê que só a 25 de abril fosse revelado o conteúdo que foi guardado neste cofre cultural na gaveta de José Saramago na Caixa das Letras.

O acordo entre a viúva de Saramago e tradutora das suas obras para espanhol, e o líder do Instituto Cervantes, García Montero, reflecte o desejo de ambas as partes de "colaborar na promoção da divulgação da língua e da cultura, especialmente por ocasião da celebração deste centenário, simbolizando assim o início de uma relação frutuosa que une duas línguas e os seus milhões de falantes num projeto único em defesa da cultura".

O compromisso prevê também que o Instituto Cervantes (que também tem instalações em Lisboa) e a Fundação Saramago "podem planear e implementar programas de ação conjunta, especialmente relacionados com a promoção e divulgação da língua e cultura espanholas e portuguesas".

Rebelo de Sousa também realçou “o compromisso que o protocolo assume”, concluindo que isso indica que “Portugal e Espanha nunca estiveram nem podem estar de costas voltadas”.

José Saramago é o primeiro português e o segundo autor lusófono a receber o que é considerado uma distinção, depositar uma parte do seu legado na Caixa das Letras, onde personalidades da cultura consignam parte do seu legado no cofre da entidade pelo tempo que quiserem.

Em 2021, Nelida Piñon - uma escritora hispano-brasileira, integrante da Academia Brasileira de Letras, a qual já presidiu - ocupou a gaveta número 1261 do cofre com uma primeira edição de um romance seu, o original de outro e um exemplar da sua fotobiografia.

No ano em que se comemora o centenário do nascimento de José Saramago, a data “simbólica” do aniversário da Revolução de 1974 foi escolhida “para celebrar a união entre duas culturas, dois países, e também duas instituições”.

Entre o espólio depositado estão “provas de impressão” da peça de Saramago "Que farei com este livro?", sobre as tentativas de Camões para publicar Os Lusíadas.

A primeira edição da "História do futuro" do Padre António Vieira, que Saramago afirmou que nunca ninguém tinha escrito tão bem em português, também ficou depositada na Caixa das Letras.

Uma lista telefónica de Saramago de 1986 e um envelope da Fundação José Saramago contendo os poemas de Saramago “dedicados a Dom Quixote, Sancho, Dulcinéia e Cervantes” também fazem parte do legado.

Finalmente foram depositados a última edição espanhola de "Levantado do Chão" e uma pasta com textos de Saramago sobre autores em espanhol, como Gabriel García Márquez, Júlio Cortázar, entre outros, e também uma sobre Fernando Pessoa.

O escritor português José de Sousa Saramago, nascido na Azinhaga, Golegã, em 16 de novembro de 1922 e morto em Lanzarote, Espanha, em 18 de junho de 2010, foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998.

Também ganhou, em 1995, o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa, sendo Saramago considerado o principal responsável pelo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.

Marcelo Rebelo de Sousa continua esta terça-feira a sua “agenda cultural” de dois dias em Espanha, com uma deslocação a Málaga (sul) onde irá à inauguração de uma exposição da pintora portuguesa Paula Rego, no Museu Picasso da cidade.