
As questões de identidade de género estão cada vez mais presentes no debate público, despertando resistências e, às vezes, disputas políticas crispadas.
"Tornou-se um assunto quotidiano nos jornais", afirma Johanna Burton, curadora de uma exposição sobre o tema aberta no fim de setembro em Nova Iorque.
"Até surge em questões tão fundamentais como a das casas de banho", ressalta a historiadora de arte norte-americana entrevistada pela AFP, referindo-se às polémicas nos Estados Unidos sobre a utilização de casas de banho públicas por estudantes transgénero.
Na exposição "Gatilho: o género como ferramenta e arma", no New Museum, museu de arte contemporânea em Manhattan, a especialista reuniu fotografias, esculturas, pinturas, vídeos e performances de cerca de 40 artistas de todas as idades, que exprimem, nas suas obras, uma rejeição da categorização binária homem/mulher.
As telas também estão cada vez mais repletas de personagens transgénero nas séries televisivas, de "Transparent" a "Orange Is the New Black". Em "Sense8", das irmãs Wachowski - também elas trans -, a atriz transexual Jamie Clayton encarna Nomi Marks, uma hacker que mudou de género.

Em França, o festival de cinema de Avignon anunciou que sua próxima edição vai explorar "o género, a trans-identidade, a transexualidade".
Já a transição do ex-atleta Bruce Genner para Caitlyn causou alvoroço na imprensa internacional em 2015. Nesse ano, as revistas National Geographic e Time dedicaram coberturas especiais ao tema, enquanto o grupo Condé Nast (Vanity Fair, Vogue, GQ, entre outras) anunciou o lançamento, no fim de outubro, de um novo veículo digital dedicado à comunidade LGBT.
O fenómeno Conchita Wurst
"Já não há género. Homem, ou mulher, agora podemos escolher o que vamos ser", garantiu, em 2015, Guram Gvasalia, CEO da marca Vetements, que tem coleções mistas.
Nas passarelas, de Nova Iorque a Paris, de Milão a Londres, mulheres e homens desfilam cada vez mais simultaneamente, e várias marcas novas propõem um vestuário que ignora o géneros
Para o filósofo francês Thierry Hoquet, a novidade está no surgimento de um "fenómeno Conchita Wurst", a travesti austríaca que usa barba, maquilhagem e vestidos, que venceu o festival da Eurovisão em 2014.
"Hoje, temos indivíduos que apresentam características muito masculinas ou muito femininas misturadas. Não tentam ter um retrato coerente desses signos", avalia o especialista.

Embora reconhecendo que esses "piratas do género" são uma "ultra minoria", o autor de "Sexus Nullus, ou l'égalité", de 2015, e "Des sexes innombrables", de 2016, acredita que eles podem ser "muito influentes".
Essa fluidez está longe de agradar a todos. "Uma batalha política acontece hoje no território do género", avalia a historiadora norte-americana Joan W. Scott, uma das pioneiras dos estudos de género.
"Os partidários da ordem estabelecida, os grupos anti-género, como o Vaticano, os fundamentalistas religiosos, os populistas, os nacionalistas e até partes da esquerda, organizam-se para impedir que se espalhe a ideia de que o género é fluido e sempre capaz de mudar", destaca.
Símbolo dessas resistências, Donald Trump anunciou recentemente o seu desejo de proibir pessoas transgénero nas Forças Armadas norte-americanas. Em França, uma grande manifestação contra a lei do casamento homossexual levantou palavras de ordem como "não toque nos nossos estereótipos" e criou uma frente contra a suposta "ideologia de género" ensinada nas escolas.
Para a socióloga francesa Marie Duru-Bellat, autora de "La tyrannie du genre", se há "modelos que se movem" na cena cultural, por outro lado, na sociedade, "há um endurecimento, uma radicalização das divisões entre homens e mulheres".
A investigadora menciona os cursos cristãos de "apoio à masculinidade" e os estereótipos solidamente reforçados nas crianças como exemplos disso.
"De qualquer forma, para muita gente a igualdade é a complementaridade, por isso não se deve mexer nos modelos de género na forma como eles existem", conclui.
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