“Um grande romance invulgar” é como Francisco Vale, editor da Relógio d’Água, responsável pela publicação do livro, reage à noticia da atribuição, hoje, do Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE), a Hélia Correia, pela obra "Um Bailarino na Batalha".

“É um prémio merecido. Claro que Hélia Correia já o poderia ter recebido. Podemos mesmo considerar que anteriores livros seus, como ‘Lillias Fraser’ e ‘Adoecer’, se inseriam mais naturalmente no cânone tradicional do romance”, afirmou à Lusa Francisco Vale.

No entanto, reconhece que este género se tem “revelado versátil e mutável”, razão por que não estranha a atribuição deste galardão a uma obra que mais se assemelha a um poema épico em prosa: “Não admira, pois, que ‘Um Bailarino na Batalha’ acabe por receber o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, apesar de poder também ser considerado um longo poema de ressonâncias épicas”.

Francisco Vale destaca que, através do seu livro, Hélia Correia fala ao leitor “de um dos grandes problemas da atualidade, que, de certo modo, o foi de todos os tempos, as migrações dos deserdados”.

“A narrativa fala-nos de personagens, animais, e homens e mulheres, estas em luta também pela sua libertação. Movem-se no deserto, onde há um rio e até uma cidade, mas tudo está fora de um espaço e tempo reconhecíveis. O ritmo é construído sílaba a sílaba, ao passo dos caminhantes e da sucessão dos dias e das noites, em busca de uma Europa cada vez mais próxima e inacessível”, acrescentou o editor.

Hélia Correia venceu por unanimidade do Grande Prémio de Romance e Novela da APE, cujo júri, coordenado por José Manuel de Vasconcelos, e constituído por Clara Rocha, Cristina Robalo Cordeiro, Fernando Pinto do Amaral, Maria de Lurdes Sampaio e Salvato Teles de Menezes, deliberou, por unanimidade, atribuí-lo à obra 'Um Bailarino na Batalha'".

Editado pela Relógio d’Água, em setembro de 2018, “Um Bailarino na Batalha” foi o primeiro romance de Hélia Correia depois de “Adoecer”, obra publicada em 2010.

O romance narra uma epopeia que é uma travessia do deserto, por um grupo de caminhantes que quer fugir da tragédia da guerra e ruma em direção à esperança na paz, em direção à Europa.

“Pesados como pedras, no entanto velozes como pedras, eles caminham, os últimos errantes, uns poucos dias mais adiante, os poucos dias que os separam da música dos ossos. Eles caminham, os últimos errantes, embatendo uns nos outros, repelindo, à força de olhos e de cotovelos, à força daquele ronco que lhes bate, mais do que o coração, dentro do peito, repelindo e chamando, concentrados na marcação das cenas animais, na coreografia da matilha”, escreve a autora.

Esta narrativa transforma-se num comentário poético da atualidade noticiosa, as condições de sobrevivência dos refugiados e o aumento do seu número, no mundo inteiro, ou, dito por outras palavras, trata-se de um poema narrativo épico em prosa.

Este cortejo de caminhantes vai-se unindo pelo instinto de sobrevivência, tornando-se como uma família, uma “pátria nómada”.

Uma outra passagem do livro descreve-os: “Agora dormem agitadamente, entregues uns aos outros, confiando primeiro nos laços de família, só depois na vizinhança, e confiando pouco, enfurecidos contra os próprios sonhos que impedem a vigília. Fogem da pátria. Tinham pátria? Tinham, pelo menos, povo. Porque as pátrias surgiam num momento e apagavam­‑se noutro. Os povos, não”.

Contudo, ao chegar ao destino final da sua caminhada, este povo descobre que “afinal não há nenhuma Europa para onde fugir”.