O músico e produtor luso-angolano Pedro Coquenão (Batida) edita hoje, pela londrina Soundway Records, “UM”, álbum que junta “uma série de coisas perdidas” e um tema novo no qual aborda o racismo, tema que, acredita, marcará 2020.

Desde que começou a criar música, no final de 2007, Pedro Coquenão foi “fazendo muitas coisas soltas”, além de álbuns e EP. “O disco [que é hoje editado] tenta ser um bocadinho um agregar de uma série de coisas perdidas, mostrar como elas estão todas ligadas e fazem sentidos juntas, e tem um elemento de novidade total”, disse, em declarações à Lusa.

“Do the right thing”, título que é também o nome de um filme de Spike Lee, de 1989, que em português teve a tradução “Não dês bronca”, é o tema inédito.

“Senti-me na obrigação de fazer uma leitura nova do ‘Pobre e Rico’ [tema incluído no álbum anterior de Batida], que era uma leitura muito assente na forma de ver as coisas nos anos 1970 e muito numa ligação àquilo que é o raciocínio de esquerda, a lógica de esquerda, a ideologia de esquerda em relação ao racismo, que coloca as coisas muito só na Economia, do pobre e do rico. Que, como é óbvio, é verdade, mas é um pouco limitada”, explicou.

Tendo em conta “tudo o que aconteceu” desde que “Pobre e Rico” foi divulgado, Pedro Coquenão quis “aproveitar para esclarecer melhor essa letra e dizer que sim, há pobre e há rico, mas há depois também toda uma série de outras variações que fizeram o mundo chegar onde chegou, em termos de discriminação racial”.

“À luz disso, à luz do filme do Spike Lee, de tudo o que se passou infelizmente nos últimos tempos (desde o movimento Black Lives Matter, até ao movimento do 'queremos o jovem negro vivo' do Brasil, às notícias que infelizmente também tivemos cá, extrapoladas até ao ponto da ameaça a ativistas) apeteceu-me fazer aquilo que normalmente faço, que é agarrar em coisas de datas diferentes e fazer uma espécie de feitiço, que depois funciona, espero eu, para o bem”, partilhou.

A uma letra que aborda um assunto que é de agora, juntou o ritmo de “Pobre e Rico” e também um ‘sample’ dos Spaceboys (projeto que juntava João Gomes, Francisco Rebelo e Tiago Santos), que o músico sempre teve “como uma inspiração grande na música eletrónica feita em Portugal”.

“UM” acaba por ser “uma respiração” entre trabalhos só de inéditos – planeia um novo para 2021 – que acrescenta algo que Pedro Coquenão “tinha para dizer”: “que é esse encontro entre uma música que já existia, mas que tinha de ser contextualizada, e um vincar de que se eu tivesse que falar de alguma coisa deste ano - certamente que a covid vai sempre marcar-nos e até ver não tem fim - era o racismo”.

Pedro Coquenão admite que poderia ter divulgado “Do the right thing” “logo num momento de maior tensão, no verão, em que havia pessoas a dizerem que 'de facto há racismo' e outras a dizerem que 'não, de facto não há racismo', que é uma discussão muito interessante, a esta altura, de a termos”.

O músico salienta que, neste momento, “a luta de quem é antirracista mantém-se, os problemas e o que levou a serem levantadas as discussões também se mantêm, e de repente o filme do Spike Lee [de 1989] está nas plataformas digitais, e nós vemos o filme outra vez e parece que ele foi feito de propósito para este ano”.

“Todas essas dúvidas e ignorâncias em relação a de onde vêm os termos, obrigam alguém que seja sensível a fazer qualquer coisa: escrever na parede ou pintar ou educar o filho, qualquer coisa tem de ser feita com essa informação, senão fica-se louco”, disse.

Para alguém como Pedro Coquenão, que faz música e gosta “muito de comunicar”, “é muito difícil” em 2020, “se calhar ainda mais do que noutros anos, ficar omisso e calado”.

Como tantos outros artistas, também Pedro Coquenão não sabe quando poderá ao vivo dizer o que ficou gravado no disco.

“Este é um momento de silêncio por parte da Cultura e é um silêncio forçado, não é voluntário. É quase que um ano sabático obrigatório, que não tem sido porque eu tenho trabalhado muito, acho que estou a trabalhar mais este ano do que no ano passado, mas em termos da possibilidade de expor coisas e de as pôr cá fora, é um ano um bocado forçado ao silêncio”, lamentou.

O músico e produtor admite que, tendo em conta que “não há hipótese de planificar datas e digressões nesta altura, porque ninguém consegue ver a mais de 15 dias na Cultura”, é “um bocadinho maluco pôr coisas cá fora, mas ao mesmo tempo não é”.

“É menos uma necessidade de aparecer do que é a necessidade de querer ir mantendo a fluidez de dizer coisas e de ir apresentando coisas, porque acho mesmo que a Música, a Dança e as Artes são essenciais para o nosso bem-estar mental, para a nossa saúde mental – para a minha e para quem ouve. Acho que é muito importante continuar a dizer coisas, mesmo que elas não tenham o retorno financeiro que teriam noutra altura”, disse.