Foi numa manhã soalheira de sexta-feira, na esplanada de um café situado no Jardim do Príncipe Real, que o Palco Principal esteve à conversa com Alex D’Alva Teixeira e Martim Torres, músicos que fazem parte do núcleo duro dos Xungaria no Céu, projeto que reúne todos os artistas da editora FlorCaveira e que lançou, recentemente, um registo discográfico em formato compilação.

Como todas as boas histórias, esta também tem um início, uma origem. E foi exatamente a partir do ponto zero que Martim, músico que conta já com três álbuns editados em nome próprio e baixista e contrabaixista de serviço no programa “Cinco Para a Meia Noite”, começou esta narrativa: “Na verdade, é algo que já vem de trás, antes deste disco sair. Tudo começou quando o Tiago Guilul resolveu convidar todos os artistas da FlorCaveira para atuar no programa 'Cinco Para a Meia Noite'”.

Intitular uma compilação de Xungaria no Céu já é meio caminho andado para o sucesso, nem que seja pelo facto do nome despoletar curiosidade nos cibernautas mais distraídos. Alex, músico que conta com inúmeras participações em projetos da FlorCaveira e que lançou em 2012 o seu EP de estreia, explica a origem e o conceito que se esconde por detrás deste título peculiar: “'Xungaria no Céu' é o nome de um dos temas do mais recente álbum do Tiago, 'Amamus Duvalle'. Como sabes, o Tiago é pastor batista. O conceito nasce da crença de que ninguém faz nada para merecer um lugar no céu. Ou seja, não são as tuas ações que te salvam, mas sim Jesus Cristo. Basicamente, é uma ideia de que ninguém merece estar no paraíso. Então, somos todos xungaria”.

“Religião e panque-roque” é uma das doutrinas pela qual se rege a FlorCaveira. Desde 2002 que o selo discográfico de Tiago Guilul tem vindo a ser uma das principais alavancas da música portuguesa cantada em português. Se fosse estritamente necessário estabelecer um padrão musical dentro da editora, ele seria o punk-rock e o rock & roll, no entanto as sonoridades que podemos encontrar nesta compilação podem ir do rock ao hip hop e da electrónica ao reggae. Alex explica o porquê desta fuga a esse padrão e exemplifica com alguns casos pontuais em que a editora enveredou por outros trilhos sonoros: “Para ser muito sincero, acho que a FlorCaveira tem vindo a quebrar esse padrão de punk-rock e rock & roll já há algum tempo. Um dos primeiros trabalhos do Tiago é um disco de fados. É claro que são fados feitos à sua maneira, super estranhos. Depois tens o disco do Te Voy a Matar, que é só eletrónica. E o meu EP, que foge a qualquer outro registo que possas encontrar na editora. O Tiago, à semelhança de grande parte dos elementos que compõem esta compilação, tem um gosto musical muito eclético”. Martim conclui: “e tudo isso, conjugado com o fanatismo pelo Rick Rubin, leva a que o disco tenha esta vertente mais hip hop...”

Devido ao facto de ter produzido a esmagadora maioria dos temas presentes na compilação “Xungaria no Céu”, Martim Torres é um dos nomes que mais facilmente podemos encontrar na ficha técnica. O jovem músico conta-nos como é que nasceu e cresceu esta veia que o levou a estar ligado às maquinas durante a gravação do álbum. “A verdade é que eu estudo música há muitos anos, mas também produção musical, porque tirei um curso de "Música e Novas Tecnologias" na Etic, que conjugava precisamente a parte de formação musical na área do jazz com a componente de produção, onde cheguei a ter aulas com o Paulo Abelho e outros nomes importantes do circuito produtivo. Ganhei-lhe o gosto nessa altura. O Tiago ouviu umas gravações que eu tinha feito em casa, gostou, e, a partir daí, os artistas da FlorCaveira começaram todos a ir lá a casa para gravar”, esclarece.

Quem tenha assistido ao concerto dos Xungaria no Céu na Optimus D’Bandada, no Porto, em vésperas do lançamento do álbum através da Optimus Discos, certamente se recordará do ambiente altamente festivo que se viveu em palco e na plateia, com os músicos a arremessarem CDs e a fazerem stage diving e mosh pit no meio do público. Um dos principais fatores que caracteriza as editoras mais pequenas é, aliás, o facto de se unirem através de laços fortes que vivem à margem dos interesses e dos cifrões. Alex D’Alva Teixeira reforça esta ideia: “Este disco funciona muito nessa base de amizade. Facilmente e rapidamente nos juntamos todos em estúdio a trocar colaborações. Uns metem as vozes, outros metem as guitarras... Um dos maiores gozos de trabalhar com o Tiago, quer como músico, quer como produtor, é o fator descontração: não há stresses nenhuns. É tudo, literalmente, feito nas calmas. Funciona tudo muito à base do primeiro take, não nos deixa apagar e remendar quase nada. No disco há partes em que eu me enganei, mas optou-se por deixar ficar assim para nos mantermos fiéis à realidade”.

Questionado sobre o facto de poder vir a ser complicado, por questões de logística, juntar todos os artistas da editora para os concertos, Martim não tem dúvidas de que funcionará tudo muito em função da disponibilidade de cada um: “Eu acho que a coisa vai funcionar muito à base do vai quem puder. Embora haja um núcleo que, à partida, será constituído por mim, o Alex, o Samuel e o Tiago. O facto de não haver uma formação certa pode dar azo a surpresas agradáveis... Aliás, há pessoas que fazem parte da FlorCaveira e que não gravaram nada na compilação, e que, se for preciso, vêm connosco para os concertos. Xungaria é toda a gente. É quem está e quem não está”.

Em relação a projetos futuros, a nível individual, Martim admite estar em fase de composição de material para um disco novo, mas coloca no centro das atenções a nova rodela de Alex D’Alva Teixeira. “O meu disco está quase a sair”, adianta o autor de “3tempos”, “estou agora a tratar de tudo para que tal aconteça. Deve sair no primeiro trimestre do próximo ano. Vai ser um disco que as pessoas vão ouvir e ficar com vontade de dançar, de comer gelados e melancia, e de jogar raquetes na praia. Mas não pensem que vai ser um álbum de verão”. E compara com o mais recente álbum de Toro y Moi: "É um disco que me soa a verão, mas que eu adorei degustar durante todo o inverno. Não se pode dizer que seja intemporal, mas sim «insazonal». Eu gostaria muito de ter um single para mostrar antes do final do ano”.

A compilação Xungaria no Céu pode ser descarregada legalmente e de forma integral no site da Optimus Discos.

Manuel Rodrigues