No ido ano de 2010, um disco voador aterrava sem qualquer permissão no planeta Terra com uma missão pouco secreta mas muito diversificada: recuperar a irreverência primaveril dos The Smiths, prolongar a dor de alma dos The Dears, (re)encontrar a veia romântica à moda dos anos 60 e de nomes como Roy Orbison ou Elvis Presley. Era assim “Forget”, uma rodela sonora assombrada pelo fantasma dos anos 80 mas que recebia visitas de aparições dadas à pop, à electrónica, ao punk e ao rock.
Ontem, um Lux perto de rebentar pelas costuras recebeu George Lewis Jr. e os seus Twin Shadow, num concerto morno para quem esperava de lá sair com algumas queimadelas, a pedir uma intervenção médica e a aplicação de muito creme reparador.
Quem tivesse dado uma volta pela auto-estrada virtual observando as actuações da banda ao vivo – veja-se, por exemplo, a sessão deste ano para a 4AD – terá ficado convencido de uma coisa: a voz de George Lewis Jr. não teria pedalada para aguentar uma grande corrida e, quanto ao envolvimento sonoro, apresentava-se mais denso e menos dado a preciosismos e grandes derivações, com o rock a ser o grande eleito. A verdade andou lá perto.
“Shooting Holes in the Moon” abriu a ementa sonora, com um recheio disco envolvido numa massa rock bem estaladiça.
De uniforme e chapéu que bem poderiam ser o novo uniforme da Marinha Portuguesa se desenhado por um estilista alternativo e com bom gosto, o vocalista dos Twin Shadow deu o mote para “Tyrant Destroyed” - uma versão a fazer lembrar os antigos bailes de finalistas, com o espírito de iniciação sexual e uma forte carga erótica a saírem com grande pressão pelas condutas de ar condicionado.
“When We`re Dancing” trouxe a aparição do simpático arco-íris, num jogo de luzes multicoloridas. Lewis Jr. levantou a voz como que para provar que sabe cantar e, a fechar em grande, terminou com um solo de guitarra à boa moda de Prince.
“I Can`t Wait”, música evocativa de um verão que parece já ter chegado à Lusitânia, serviu para Lewis Jr. confessar que este tinha sido o primeiro concerto da digressão em que a banda desfrutou de um dia inteiro para seu belo prazer. E que tinha estranhado não encontrar nenhum dos presentes na noite anterior enquanto a banda se dedicava a beber copos como se não houvesse um concerto para dar no dia seguinte: “It`s Tuesday night, what´s up?”
“Slow”, um dos grandes temas de “Forget” – e porventura o mais smithsoniano –, foi iniciado com um arranjo clássico e teve mesmo direito a um coro popular.
“Yellow Balloon”, esta noite em falsa versão veraneante, contou com um elogio prévio aos corpos bronzeados que se passeiam sem pudor na noite lisboeta, como se o verão fosse algo herdado à nascença como um direito lusitano inalienável. Uma versão dominada de início pelas teclas para terminar com uma guitarra em fúria. Qualquer coisa como ir à praia apenas para molhar os pés e terminar o dia a jogar pólo aquático fora de pé depois de se já terem surfado ondas de três metros de altura. Muito bom.
“Castles in the Snow” teve direito a uma percussão de magnitude tribal, convidando o Elvis para a festa e para uma luta de bolas de neve que pareceu ter deixado George Lewis Jr. algo constipado, com a voz a tremer durante alguns momentos.
“At My Heels” terá sido o momento alto da noite, numa versão muito dançável e embebida em rock por todos os lados – algo que os LCD Soundsystem faziam tão bem antes de terem deitado fora esta vida de editar discos e dar concertos.
No encore, talvez o primeiro a que assistimos sem que a banda não se tenha ido embora antes de regressar ao palco, fomos presenteados com um inédito da banda – com ar muito coral – e uma versão em ritmo de kizomba alucinada para “Tether Beat” onde, depois de termos abanado a anca até quase provocar um deslocamento, os Twin Shadow perguntam com descaramento: Does Your Heart Still Beat? Claro que sim, acelerado e com vontade de celebrar uma paixão eterna.
Como despedida, uma versão alternativa para “Castles in the Snow”, com a banda – e principalmente George Lewis Jr. – satisfeita por uma noite passada à beira do Tejo.
No imaginário sentimos falta da delicadeza sonora das canções de “Forget”, já que os arranjos escolhidos pelos Twin Shadow ao vivo apostam claramente numa vertente mais rock e não tão preocupada em pormenores sonoros. Onde se pedia e desejava uma fruição lenta a banda apostou na velocidade, como se tivesse medo que o sol se fosse embora e a lua escondesse qualquer uma das duas sombras propícias ao refrescamento. Não foi mau, mas poderia ter sido bem melhor. Afinal, para quê tanta urgência?
Pedro Miguel Silva
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