É ao som de “De volta pro Aconchego”, de Dominguinhos e Nando Cordel, popularizada por Elba Ramalho, com Miguel Araújo ao piano, que nos preparamos para «mergulhar na felicidade sem fim». No palco, a luz incide sobre o artista e reflete-se nos sorrisos rasgados do público. Uma felicidade antecipada, uma alegria presente, por tanto que ainda estava por vir. Porque «o meu calvário é ser feliz», como lembra o tema que se segue, “Sagitário”, com Araújo ainda ao piano. A fechar o trio pianístico, “A incrível História de Gabriela de Jesus”.
Rearranjam-se cenários, trocam-se instrumentos e passamos, de uma assentada, para “Dia da Procissão”, “Dancemos um Slow” e “Lá vai Sofia”, num corridinho entoado e celebrado pelo público, com as letras a passar no ecrã, no topo de cenário, num incentivo a trautear os temas ou cantá-los a plenos pulmões. A utilidade do ecrã é questionável: a plateia parece não precisar de cábulas e, de olhos fechados, os fãs cantam, de fio a pavio, as letras do autor.
É neste ponto que Miguel Araújo entoa um sentido “Boa noite Porto, boa noite Coliseu”. A partir daí, irá manter entre os temas, um monólogo leve e divertido com o público, como se exige em celebrações especiais como esta.
“Recantiga”, num apogeu que havia de repetir-se, e “Reader's Digest” são os temas que se seguem no alinhamento. O público entra, literalmente, na próxima canção, “José”, magnificamente acompanhada por Frederico Afonso, na voz, e pelo seu filho, no piano, este último protagonista e muso da música com mais de 10 anos. As histórias são vividas com mais significado quando conhecemos como nasce uma canção.
“Leva-me de mim” e “Pica do 7” trazem um pouco de Zambujo ao Coliseu, numa ausência física que se vence no coro em uníssono de temas maiores que a vida, maiores que aqueles que os cantam.
«Mandaram teu pai / Sorrir para a tua mãe / Para que tu / Existisses também», reza a “Balada Astral” e acredita-se, aqui e ali, que existir, naquele momento, é uma dádiva. À semelhança de poder assistir ao dueto entre Miguel Araújo e o filho Joaquim Araújo, em “D. Laura” e “Like a Rolling Stone”. Este último com a participação especial dos Kappas, que marcam a presença de três gerações de Araújo no palco. Os 50 coliseus bem merecem uma festa como esta!
O público volta a desafiar as suas capacidades vocais em cada palavra de “Os maridos”, para a magnífica versão a solo de “Anda comigo ver os aviões”, acompanhada pelo acordeão. Tantos, tantos momentos bonitos.
O fim que se aproximava, rápido demais, leva ao outro lado do Atlântico (de novo) e traz “O rancho fundo”, num momento arrepiante, vibrante e transcendente, como só as canções mágicas conseguem aportar.
Na hora de fazer dançar os músicos, o próprio Miguel ou o público do Coliseu, poucos resistiram a manter-se sentados. Porque sem juras, sem que ninguém os convença, a plateia sabe que ninguém mede passos, nem conta compassos, e entrega-se à dança do “Talvez se eu dançasse”. A falta de coordenação ou a perfeita coreografia vestem o coliseu de uma desmedida alegria pueril.
A fechar, “Saudade”, o mais recente tema do autor, com o público de pé, a ovacionar uma grande noite de canções, uma celebração ímpar, uma alegria que há de perdurar no tempo, como perduram os momentos inesquecíveis. A banda e Miguel haveriam de voltar, para fechar a noite com chave de ouro. O brilho nos olhos, de quem viveu aquelas mais de duas horas, há de cruzar-se com outros olhares à saída, que brilham também, numa partilha silenciosa que ultrapassa as canções e as celebrações. 50 coliseus é obra!
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