A meio da sua quarta edição (para a semana há mais duas noites de concertos), o Jameson Urban Routes teve ontem um dos seus dias mais aguardados, até porque quem não tinha comprado bilhete antecipadamente já não conseguiu fazê-lo na altura do início das actuações. Os responsáveisporesta disputadacorrida ao MusicBox, em Lisboa,foram os concertos de Noiserv, Toro Y Moi e, sobretudo, o de El Guincho,quese revelaria omais apoteótico.
Noiserv: Sensibilidade e boas canções
O arranque da noite foi protagonizadopor David Santos, ou Noiserv, que como é habitual se apresentou sozinho em palco, envolto num emaranhado de instrumentos - entre os quais se contavam os de cordas, sopros ou teclados mas também alguns menos convencionais, como a máquina fotográfica em "Bullets on Parade".
Cirurgicamente empregues em várias sobreposições de loops, juntaram-se à sua voz dolente numa teia sonora que nunca resultou em exercícios de virtuosismo barroco, servindo antes canções envolventes e contidas. Por vezes talvez demasiado contidas e, por isso, quase esmagadas pelo ruído de conversas e copos do bar - que David se encarregou, e bem, de mandar calar simpaticamente.
"Mr. Carousel", o novo single do seu recomendável EP "A Day in the Day of Days", iniciou cerca de uma hora intimista por onde passaram também canções mais antigas, caso de "Tokyo Girl" ou "Consolation Prize".
O final ficou novamente a cargo de um dos temas mais recentes - e dos melhores -, "The Sad Story of a Little Town", traído por algumas falhas técnicas que levaram a duas tentativas frustradas. Mas à terceira foi de vez e não impediu que esta fosse mais uma bem-sucedida passagem de Noiserv pelos palcos.
Toro Y Moi mais festivo do que nostálgico
Outro adepto de música artesanal, o norte-americano Chaz Bundick, mais conhecido como Toro Y Moi, contou com a companhia de um baixista e de um baterista na sua estreia lisboeta. E esse complemento foi decisivo para que as canções de um dos meninos-prodígio do chillwave raramente tenham mantido, em palco, a carga atmosférica, frágil e nostálgica pela qual se distingue esse subgénero.
O que não foi necessariamente mau, já que uma música que pouco mais é do que papel de parede tornou-se assim mais encorpada, directa e dançável. De qualquer forma, e mesmo que as aproximações ao funk ou à synth pop tenham sido funcionais, a actuação acabou por saber a pouco, não só pela duração (quarenta minutos) mas também por, tal como ocorre em disco, não demorar muito para que a memória destas canções rapidamente seja diluída.
O Verão escaldante de El Guincho
Se Toro Y Moi começou por apelar à dança, o convite só foi decididamente aceite pela maioria (para não dizer totalidade) do público com a chegada de El Guincho. O projecto do espanhol Pablo Díaz-Reixa, também na primeira actuação em Lisboa, trouxe o novíssimo segundo disco, "Pop Negro", que mais do que o antecessor, "Alegranza" (2008), soa ao que poderia ser uma (improvável) remistura dos Animal Collective a uma famigerada compilação "Caribe Mix" - salvaguardando as devidas distâncias.
O resultado soa melhor do que parece, principalmente ao vivo, unindo a festa de sabor latino a contorcionismos, psicadelismos e experimentalismos electrónicos (complementados pelo lado mais orgânico de um guitarrista e de um baixista).
O novo álbum pode não ter a frescura da estreia, seguindo por vezes em piloto automático, mas essa limitação passou quase despercebida num concerto que conseguiu, logo aos primeiros segundos, transformar uma pacata noite de Outono numa tarde de Verão (escaldante). Díaz-Reixa não fez a coisa por menos e exigiu ser chamado de "DJ Mamaçal do Reino de Portugal", o curioso nome adoptado exclusivamente para a actuação lisboeta, explicou.
Se essa denominação pareceu tresloucada, esteve à altura do crescendo de intensidade do concerto, que além da dança e saltos colectivos incitou ao mosh e a muito, muito crowd surf. A rápida subida de temperatura e movimentação condizente nem sequer foram ameaçadas quando, já num encore com múltiplos rodopios, um dos cabos do palco foi acidentalmente desligado, pondo fim à música. Mas ainda haveria tempo para um último fôlego, já que El Guincho - ou, perdão, DJ Mamaçal -, visivelmente surpreendido com tanto entusiasmo, não levou a mal. "Vamos terminar a canção mas agora comportem-se, sim?", perguntou. O aviso não serviu de muito, uma vez que a histeria continuou, embora sem estragos, terminando em alta uma actuação invulgarmente fervilhante - e o melhor concerto de Verão deste Outono.
A quarta edição do Jameson Urban Routes continua na próxima semana, dias 29 e 30, com as actuações de Marina Gasolina, WhoMadeWho ou Nicola Conte, entre outros. Os concertos serão transmitidos em directo no Facebook do SAPO Música.
Texto @Gonçalo Sá /Fotos @Graziela Costa
Noiserv - "Mr. Carousel":
Toro Y Moi - "Blessa":
El Guincho - "Bombay":
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