“O álbum é uma mostra da minha carreira, maioritariamente com criações minhas, mas também com alguns temas que os produtores [discográficos] me pediram para gravar. O CD inclui fados tradicionais e outros com música própria, e também algumas marchas, pois fado e marchas sempre conviveram”, disse a fadista à Lusa.

“Memórias…” totaliza 20 fados e marchas, entre as quais, “Festejando o S. João”, “Lisboa cheia de luz” ou “Vai-se a noite num ai”.

Os temas fadistas percorrem diferentes fases da carreira, havendo alguns - criações suas - claramente referenciados ao período pós-25 de Abril de 1974, como “A gleba era mais que prometida”, de autoria de Armando Santos, “Marcha do povo” e “Portugal nova nação”, gravados com o conjunto de guitarras de António Chaínho.

Ao lado de criações da fadista, como “Não são asas meus braços”, “Não, não voltarei” ou “Já te conheço”, há também os “temas a pedido dos produtores”, como “Lisboa à noite”, uma criação de Milú, no teatro de revista, ou “Anda o fado noutras bocas”, de Artur Ribeiro.

Além de intérprete, Artur Ribeiro, com quem a fadista trabalhou, foi também “um autor maior”, disse Julieta Reis, que afirmou ter “orgulho em ter criado alguns temas seus”, como “Um dia pagarei”.

Julieta Reis, 77 anos, aprendeu solfejo, ballet e a tocar acordeão, tendo começado a cantar no Conjunto Manuel Simões, constituído apenas por acordeonistas, como Guiomar Simões. Esteve neste grupo durante dois anos, até ao dia em que visitou a casa de fados Café Luso, em Lisboa, com o fadista Joaquim Silveirinha. Convidada a cantar, optou definitivamente pelo fado.

“Tinha os meus 20 anos, mas, como se diz, vim para o fado e fiquei”, contou Julieta Reis, salientando em seguida que, todavia, a sua carteira profissional é de 1955.

Julieta Reis referiu-se ao Luso como “uma escola”, onde se aprendia “com os mais velhos, pois o fado é uma tradição que passa de geração para geração. Hoje, já não sinto isso em muitos que começam agora e com pouca disponibilidade para ouvir”.

Referindo-se ao panorama fadista atual disse que “há muita falta de profissionalismo”, advertindo, porém, que não se pode “meter tudo no mesmo saco”: “Há muito boas vozes e presenças, mas há muitos que não me dizem nada, não nos transmitem nada, e o fado é transmitir um sentimento, contar uma história”.

“Às vezes sinto saudades, cantei em muito lado, fui ao estrangeiro e tive a sorte de muitos poetas me terem oferecido letras para as cantar pela primeira vez, para serem criações minhas, e sinto orgulho”, disse.

A fadista citou poetas, músicos, acompanhadores, entre os quais Carlos Conde de quem canta, neste CD, “Eu sei que vais partir”, em quem reconhecia “uma capacidade extraordinária de descrição, de falar da Lisboa do passado”.

Outros nomes citados são os de Silva Nunes, de quem resgata, neste CD, “Quero” e “Esta marcha do povo”, e Abílio Duarte, com “Venham comigo”, “Tenho uma tipoia à espera” e “Portugal nova nação”.

Julieta Reis atuou nas antigas colónias portuguesas, em França, nos Estados Unidos, em Holanda e na Grã-Bretanha, onde esteve uma longa temporada, numa casa de fados.

Em Portugal, integrou o elenco de diversas casas, algumas já desaparecidas, como o restaurante típico Candeia, no Porto, ou em Lisboa, o Lar Português, Solar da Márcia Condessa, Viela, A Cesária, Solar da Madragoa, Solar da Hermínia, além de outras, em plena atividade, como A Severa, Adega Machado, Forcado, Timpanas ou Fado Maior.

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