Palco Principal - Gostava de começar esta nossa conversa por falar sobre os singles do teu novo álbum. Comecemos por “Andorinha”. O que retrata a música?

Deau - O tema retrata uma fixação, metaforizada pela andorinha. Transmite-nos a ideia de algo que não é nosso, que vai e vem... É quase como a droga. Como um vício. Por isso é que a música é uma gradação entre uma andorinha, uma ave de rapina e um abutre. Ou seja, começa como uma coisa boa, vai-nos roubando aos poucos e, no final, torna-se um abutre, à espera da morte. É quase como se fosse o percurso de um toxicodependente. Uma fixação.

PP - Noto que as tuas temáticas são pensadas ao pormenor, têm um fio condutor, uma história. Gostas de ler?

Deau - Por acaso, leio desde pequenino. A minha mãe faz livros. É encadernadora, operária fabril. Desde muito pequeno que estou ligado a esse mundo. Lembro-me de fazer castelos com bandas desenhadas, lá em casa... No entanto, a inspiração para as minhas músicas vem, sobretudo, do que faço no meu dia-a-dia: ler, conversar, ir ao teatro (trabalhei durante muitos anos no teatro de S. João). Tudo isto acaba por influenciar o meu lado criativo. Esse fio condutor que falas surge de forma inconsciente.

PP - Fala-me um pouco sobre o teu segundo single, “Diz-me Só”, que conta com a participação de Bezegol... Há aqui instrumentos a serem tocados, certo?

Deau - Sim. A guitarra é tocada pelo Rafael Gomes e o baixo pelo Né Martinez.

PP - E o que inspirou esta belíssima letra?

Deau - Quando acabamos uma relação, há sempre um conjunto de perguntas que ficam por responder. É uma canção que versa sobre todas essas dúvidas.

PP - Calculo que seja uma história real...

Deau - Sim. É uma história pessoal...

PP - Reparo que és um rapper autobiográfico, que gosta de desabafar para o papel... É alguma espécie de terapia?

Deau - É quase. Sabes quando precisas de ter uma conversa com um amigo e não encontras o ideal? É quase como se estivesses a falar contigo próprio, com um espelho ou um reflexo. E, ao fim ao cabo, quando uma pessoa faz isso, ou seja, quando um escritor escreve acerca de si, acaba por ser terapêutico.

PP - Já te aconteceu as pessoas virem ter contigo e dizerem-te que se identificam com aquilo que escreves?

Deau - Já. Também porque sou uma pessoa muito local, gosto de manter os mesmo hábitos, ou seja, continuo a parar nos mesmos sítios... E isso dá um carisma ainda maior à música, porque as pessoas conhecem os sítios, as situações, as referências que utilizo. E acabam por se identificar... A música passa a pertencer-lhes.

PP - E tu próprio tens essa noção coletiva quando usas, por exemplo, o código 4400...

Deau - Todos os códigos postais de Gaia começam por 4400. É um pouco como Gaiolin, criado pelo Ace, ou o Nova Gaia, criado pelo Mundo. E isso tornou-se numa referência. A hereditariedade é condicionada pelo meio e isto é uma forma de tributo à zona de onde eu sou. É uma forma de representar e tornar a coisa mais familiar. Às vezes até pode parecer um pouco bairrista, no entanto é uma coisa que vai para além disso, pois torna-se numa assinatura da zona. E é bom quando conseguimos assegurar isso.

PP - Esquecendo o próprio sotaque, sentes que rap do Porto tem uma característica própria?

Deau - Sinto, principalmente quando bandas como os Dealema falam de locais como o Comix Bar ou o Hard Club. Dou-te um exemplo: acho que nem toda a gente passa por um Musicbox. No entanto, toda a gente passa pelo Hard Club, por ser um sítio mítico. O hip hop do Porto está preso às ruas e a esses locais míticos. E eu acho que isso se sente. Em Lisboa já é mais disperso. Se calhar por ser maior... O rap portuense está mais apegado à zona, e isso sente-se. Está implícito na própria sonoridade das músicas.

PP - Que outros pormenores podes adiantar relativamente ao teu novo álbum? A nível de produção e participações especiais, por exemplo...

Deau - Como sabes, no primeiro álbum trabalhei exclusivamente com o DJ D-One. Neste, trabalhei maioritariamente com o Expeão e com o DJ Player. Nos campos das participações, pude contar com a ajuda de artistas como Bezegol, Expeão, Ana Lu e Ace. Foi muito gratificante trabalhar com estas pessoas.

PP - Qual a grande diferença entre este e o teu disco de estreia?

Deau - Era muito novo quando escrevi o primeiro. Agora as experiências e as vivências são outras. Há alguma maturidade. Enquanto o primeiro era quase uma introdução no meio, uma afirmação, agora as coisas são diferentes. As pessoas já me conhecem. Já se torna mais pessoal, mais íntimo.

PP - “A minha ambição na vida é uma coisa única, fazer música de rua e levá-la à Casa da Música”. Esta é a rima que apresenta o teu concerto de sexta-feira, no Porto. É uma vontade que te acompanha há muito tempo?

Deau - Fiz essa rima em 2008, para uma mixtape do DJ Player, intitulada "Reprogramação". Tinha 18 anos e era uma coisa que eu queria muito. Era uma ambição minha. Hoje em dia, passados alguns anos, estou a torná-la possível. Falando novamente dos locais icónicos da cidade Invicta: o Hard Club é outro dos palco que eu sempre ambicionei muito. E é bom ver, com o passar do tempo, os sonhos concretizarem-se.

PP - E vais tocar o teu álbum novo na íntegra?

Deau - Não. Vou tocar alguns temas novos, intercalados com músicas antigas. Até porque algumas canções são evoluções de outras, de formas de pensar e estar. E, lá está, como eu tenho uma vertente mais biográfica na música, essa ligação acaba por acontecer de forma natural. Algumas músicas deste álbum foram escritas quando estava a gravar o primeiro. Tenho, inclusive, algumas referências temporais ao longo do álbum, coisa que não fiz no primeiro.

PP - Devido à sua génese, imagino o tema “Diz-me Só” tocado – totalmente ou parcialmente – com banda. Será o caso do concerto de sexta?

Deau - Neste momento, vai ser apenas com DJ/produtor, porque se trata de uma pré-apresentação... Talvez no futuro, quem sabe... Neste momento, quero matar saudades de palco, já não toco há imenso tempo. Um ano e meio, se não me engano. Bate-me a ansiedade de ver a reação do público, o feedback espontâneo que temos quando atuamos ao vivo.

PP - És um MC conhecido pela tua faceta de improviso. Tens o hábito de dar freestyles a meio dos concertos?

Deau - É algo que acontece de forma quase instintiva, sabes? Se o público estiver a puxar para isso, sinto vontade de o fazer. É como na rua. Quando eu sinto que se criou uma ligação, que está o ambiente ideal, faço-o. Em concerto acaba por ser, também, uma maneira de envolver as pessoas naquele momento, porque não há outro igual. É único, não se repete.

Manuel Rodrigues