
A história de Cody Chesnutt podia ser lida como um conto de redenção e lágrimas. Há coisa de mais ou menos dez anos, o músico escrevia canções para Dr. Dre, editava um disco recebido de braços abertos pela crítica - “The Headphone Masterpiece” - e via The Seed, um dos seus temas, ser sujeito a uma versão pelos The Roots, o que lhe valeu um acréscimo de fama razoável e um ainda mais considerável aumento do saldo bancário. Um somatório que acabou por o conduzir a uma vida de excessos, própria da idade e do estatuto de estrela musical em efervescência, perdida no conhecido triângulo do sexo, das drogas e do rock & roll.
A redenção chegou em 2012, com a edição do disco “Landing on a Hundred”, que mostra como a paternidade é coisa para virar a vida de uma pessoa do avesso. Assim como a religião e o despertar da fé numa entidade superior, que Cody bebeu como um licor divino.
Aliás, “Landing on a Hundred” serviu de repertório exclusivo ao concerto de ontem do Ritz Clube, já que, segundo Cody, está agora rodeado de uma energia positiva, o que seria estragado caso regressasse a um passado que recorda rambóia e devaneio em excesso. Uma exclusividade que, diga-se em abono da verdade, em nada retirou o brilho da prestação de Cody Chesnutt e da sua banda original, que tinha ficado em casa aquando da passagem do artista pela última edição do Mexefest. E que banda, senhores, que banda!
O prenúncio de uma noite soularenga foi dado desde o iniciático That`s still mama, com um "Boa-noite Lisboa" e uma troca de apertos de mão a servirem de cartão de apresentação muito pessoal. A indumentária de Cody é já uma imagem de marca - com apenas um ou outro desvio ocasinal: corpo franzino, capacete na cabeça, calças pretas justas e uma t-shirt que mostrava uma colecção considerável de cassetes à moda antiga, daquelas que se rebobinavam com um lápis como forma de poupar pilhas ou reduzir a pausa entre canções.
O concerto foi um retrato fiel da soul clássica desenhada em “Landing on a Hundred”, que foi beber a nomes como Marvin Gaye ou Curtis Mayfield, apresentando uma formação clássica – guitarra eléctrica, baixo, bateria e teclados - a que só faltaram os metais para que a celebração tivesse sido total.
Num recinto exclusivo para não fumadores – Cody agradeceu a privação nicotinómana dos presentes, dizendo que não poderia cantar numa sala com fumo -, o selo de intimidade esteve colado do princípio ao fim: Cody trocou apertos de mão, alguns diálogos e, quando desceu do palco para uma incursão entre o público, não fugiu à troca de beijos e abraços ou a deixar-se fotografar ao lado dos muitos paparazzi de ocasião.
Cody teve também ocasião de mostrar a sua veia de profeta e comunicador, tratando de acrescentar o poder da palavra sempre que a ocasião o permitiu: teceu um elogio às artes e ao poder da criação enquanto perguntava "what am i on earth?"; partilhou a história por detrás de Love is more than just a wedding day, que terá nascido numa noite em que ele e a mulher se sentiram como estranhos na própria casa, recorrendo então à amante, mais conhecida por guitarra acústica, para escrever sobre a dificuldade e a magia do compromisso; o apontar para a frente como o único caminho possível, enquanto se ouviam os acordes gingões de Don`t Wanna Go The Other Way.
Para o encore, Cody regressou mais agasalhado e com uma chávena fumegante de chá, enquanto explicava de certa forma como a soul havia tomado conta de “Landing On A Hundred”; isto antes de nos ser servida uma incrível jam, onde parecia estarmos com os dois pés dentro da sala de ensaios destes senhores.
A mudança da Aula Magna para o Ritz permitiu, sem dúvida, uma maior aproximação entre o músico e o público, mas acabou por retirar alguma qualidade e definição à envolvente sonora que, na recta final, oferecia já alguma distorção. Mas que em nada diminuiu a aura triunfal deste concerto onde, segundo Cody, os presentes "foram mais do que uma audiência, foram também membros".
Pena não termos algumas fotografias deste concerto, mas fazemos nossas as palavras de Cody quando trocava apertos de mão: "Não podem fazer isto no twitter ou no facebook". É certo que as imagens serviriam para ilustrar o acontecimento mas, para o celebrar como se se tratasse da palavra divina, só mesmo estando lá. Obrigado Sr. Cody, o sentido de paternidade fica-lhe muito bem.
Pedro Miguel Silva
Comentários