O realizador japonês Ryusuke Hamaguchi fez história no ano passado com o vencedor do Óscar "Drive My Car". Para o seu filme seguinte, retirou-se para a natureza.

Com "Evil Does Not Exist" ("Aku Wa Sonzai Shinai", no seu título original em japonês, ou "O Mal Não Existe", em tradução literal), que teve a sua estreia mundial no Festival de Cinema de Veneza na segunda-feira, o realizador impressionou mais uma vez os críticos com a história de uma grande corporação que ameaça uma aldeia rural intocada com um projeto turístico de luxo que representa por igual oportunidades e ameaças para os seus habitantes.

O filme centra-se em particular na relação entre um misterioso homem da zona e dois relações públicas escolhidos pelo investidor para convencer os habitantes, recriando as paisagens e a forma como aquela natureza selvagem modifica, ou reforça, o comportamento de cada um.

"Evil Does Not Exist"

A ideia do filme surgiu quando a compositora Eiko Ishibashi, autora da banda sonora de "Drive My Car", lhe pediu para filmar imagens na região remota para alguns concertos.

Foi oportuno para o cineasta após o turbilhão à volta da primeira produção japonesa na corrida ao Óscar de Melhor Filme e que ganhou a estatueta dourada de Melhor Filme Internacional na cerimónia de 2022.

"Realmente não queria fazer nada durante algum tempo depois dos Óscares, mas... parecia algo que eu poderia fazer", disse Hamaguchi à France-Presse em Veneza.

“Não foi necessariamente pressão o que senti – só precisava de uma pausa!”, esclareceu.

Não se sentindo qualificado para apenas filmar imagens abstratas, Hamaguchi decidiu escrever uma história.

“Achei que se ela me estava a pedir, deveria fazer algo que fosse fiel a mim mesmo, portanto comecei a escrever um argumento e a fazer um filme”, contou.

“Na verdade, só morei em áreas urbanas”, acrescentou.

“Como sou uma pessoa urbana, posso falar sobre como é para as pessoas da cidade entrar nesses ambientes naturais”, notou.

O resultado é um filme de ritmo suave, mas envolvente e até chocante.

Atribuindo quatro estrelas, o jornal The Guardian chamou-lhe "uma parábola ecológica enigmática... oscilando à beira do estranho".

O crítico da revista The Hollywood Reporter diz que o "drama lento constrói os seus próprios ritmos hipnóticos e mutáveis" e que o estranho final foi como "uma colisão de sonho perturbador e realidade".

Esse final deixou confusos muitos no festival e Hamaguchi admite que isso também o deixa perplexo.

“Não tenho certeza se gosto deste tipo de final ou não. Mas quando escrevo um argumento, interessa-me sempre ter a certeza de que não me aborrece", explicou.

E acrescentou: “Este final saiu naturalmente de mim. Há algo ali que talvez não possa necessariamente dizer em palavras, mas que me parece certo".

O que mais gosta é de mostrar a complexidade das suas personagens: “Normalmente é assim que retrato as pessoas – onde não é forçosamente preto e branco entre o mal e o bem”.

“Muitas vezes, acho que retrato pessoas que talvez façam coisas terríveis e, ainda assim, há ações e razões por trás disso. E acho que isso é algo realmente também importante quando estou a dirigir atores".

"Evil Does Not Exist" é um dos 23 filmes na corrida ao Leão de Ouro, o principal prémio do Festival de Veneza, que será anunciado no sábado.