Para John Logan, argumentista de "007: Skyfall" (2012) e "007: Spectre" (2015), o futuro da saga pode estar ameaçado com o negócio em que a Amazon vai comprar o lendário estúdio de Hollywood Metro Goldwyn Mayer (MGM) por 8,45 mil milhões de dólares [6,91 mil milhões de euros].

"Portanto, a Amazon agora tem 50% de 007. Com a aquisição da MGM e do seu catálogo de filmes, o gigante de vendas online comprou a saga James Bond. Quando ouvi essa notícia, senti um calafrio", recordou o argumentista dos dois filmes com Daniel Craig realizados por Sam Mendes num ensaio para o jornal The New York Times.

John Logan teme pelo futuro criativo da saga, partilhando a sua experiência nos filmes e como foi decisivo para o icónico agente secreto sobreviver durante 60 anos o papel criativo dos donos da Eon Productions, atualmente Barbara Broccoli e Michael G. Wilson, que têm os outros 50%.

"Tendo trabalhado como argumentista em 'Skyfall' e 'Spectre', sei que Bond não é apenas outra franquia, não é uma Marvel ou DC; é uma empresa familiar que foi cuidadosamente alimentada e conduzida durante os tempos de mudança pela família Broccoli/Wilson. As sessões de trabalho em 'Skyfall' e 'Spectre' foram como discussões calorosas à mesa de jantar, com Barbara Broccoli e o seu meio-irmão Michael Wilson a deixar falar todas as crianças rebeldes. Cada tia maluca ou tio excêntrico tinha uma voz. Discutimos e debatemos e chegámos a uma resolução, como as famílias devem fazer, sem vozes externas na sala. Quando se trabalha nos filmes Bond, não se é apenas um funcionário. Faz-se parte dessa família.", escreveu.

007: Skyfall (2012)

As "chaves" da saga estão na posse dos produtores desde o primeiro título com Sean Connery em 1962: segundo o acordo original, a United Artist (mais tarde comprada pela MGM) tem os direitos para financiar e distribuir os filmes, dividindo os lucros com a produtora, que tem a palavra final nas decisões artísticas (incluindo o "casting" de Bond), planos de marketing e distribuição, eventuais "spinoffs" e até séries. Fundada por Albert R. "Cubby" Broccoli e Harry Saltzman, a produtora mantém-se na família e não está cotada em bolsa.

Este controlo não impede John Logan de colocar questões: "O que acontece se uma corporação combativa como a Amazon começar a exigir uma voz no processo? O que acontecerá com a camaradagem e o controlo de qualidade se houver um soberano da Amazon com dados estatísticos a analisar todas as decisões? O que acontece quando um grupo de foco indicar que não gosta de Bond a beber martinis? Ou a matar tantas pessoas? E que aquele sotaque inglês é um bocado alienante, portanto poderíamos ter mais americanos na história por uma questão de mercado?”

"No contexto de uma empresa maior, a Amazon Prime Video não é principalmente sobre artistas. É sobre atrair e reter clientes. E quando as empresas maiores começam a ter voz em personagens icónicos ou franquias, as empresas tendem a querer mais, não melhor, e o diferencial de qualidade pode variar muito, projeto a projeto.", explicou.

Dando como exemplos filmes em que trabalhou que foram prejudicados por interferências artísticas, como "Gladiador" (2000), "O Aviador" (2004) e "Sweeney Todd" (2007), Logan reforça o alerta para a perda de qualidade: "Tudo se dilui na versão mais anódina e facilmente consumível de si mesma. O filme torna-se uma sombra inofensiva de uma coisa, não a coisa em si. Não há mais arestas ou voos de loucura cinematográfica."

O próximo filme para os cinemas é "007: Sem Tempo Para Morrer", que deverá ser a despedida de Daniel Craig como James Bond.

Realizado por Cary Joji Fukunaga e ainda com Ana De Armas, Christoph Waltz, Ralph Fiennes, Naomie Harris, Ben Wishaw, Rory Kinnear e Jeffrey Wright, além de Rami Malek como vilão, a estreia está anunciada para 30 de setembro.