"Ramiro" é a mais recente ficção de Manuel Mozos, ao fim de dez anos a fazer sobretudo documentário. O filme centra-se nos dilemas e rotinas de um escritor - interpretado por António Mortágua - que tem uma livraria alfarrabista num bairro de Lisboa.

O argumento foi escrito por Mariana Ricardo e Telmo Churro a partir de uma ideia apresentada por ambos a Manuel Mozos, há cerca de cinco anos, e que chega agora aos cinemas. Do elenco fazem ainda parte Madalena Almeida, Fernanda Neves, Vítor Correia e Américo Silva.

"Gostei do argumento por estar centrado em personagens, mais do que propriamente na história. (...) Agradava-me uma certa ideia de resistência, de uma pessoa parada no tempo, que tem uns gostos e uns prazeres que hoje em dia estão em transformação, vão desaparecendo", contou o realizador.

Mozos reconheceu que se identifica com alguns traços de personalidade de Ramiro, mas rejeita qualquer ideia vincadamente autobiográfica.

Descrito como "uma comédia delicada", quando abriu em outubro o festival DocLisboa, "Ramiro" é ainda um filme sobre uma Lisboa mais antiga, "menos óbvia, um bocadinho mais recôndita", e que Manuel Mozos filma com a mesma abordagem de obras anteriores: guardar algo que desaparece ou está em transformação.

"Para mim não é num sentido de saudosismo ou assim, mas de tentar preservar algumas coisas que me interessam e que eu acho interessantes ficarem nos meus filmes", explicou.

Apresentado quase sempre como um dos mais discretos nomes do cinema português, com uma cinematografia que se espaça em três décadas, Manuel Mozos é autor das ficções "Xavier" (1992), "Quando troveja" (1999) e "4 Copas", a par de vários documentários, como "Ruínas" (2009) e os três capítulos de "Censura: alguns cortes" (1999-2015).

Essa ideia de fixação de uma memória advém também do trabalho que lhe ocupa grande parte dos dias no Arquivo Nacional de Imagens em Movimento, da Cinemateca Portuguesa. É lá que, numa equipa pequena, Manuel Mozos trabalha na identificação de obras em película, depositadas em arquivo e às quais poucos têm acesso.

"Uma das coisas que me fascina muito, independentemente da qualidade de alguns filmes, é descobrir coisas. Coisas do cinema mudo, dos anos 1940 e 1950, que me dão imagens não só da cidade, da sua arquitetura, do trânsito, dos hábitos das pessoas, como se vestem, expressões que usam. Acabo sempre por conseguir encontrar num filme, mesmo que seja muito mau, qualquer coisas de positivo", explicou.

Todos os dias tem de visionar filmes, excertos, negativos, cópias, tem de os identificar e decidir quais as melhores condições para os restaurar ou preservar.

É um trabalho moroso, de responsabilidade e, por vezes, de alguma angústia por lutar contra o tempo. Mas tudo é compensado, sublinhou, com o prazer de se descobrir alguma coisa que se achava impossível.