Os produtores de um novo documentário alegando que a icónica foto da “Napalm Girl”, Phan Thị Kim Phúc, a rapariga queimada com napalm no Vietname, foi deliberadamente creditada ao fotógrafo errado – afirmações negadas pela Associated Press (AP) – disseram no domingo que é 'crítico' poder 'compartilhar esta história com o mundo'.

"The Stringer", que estreou no Festival de Cinema de Sundance, narra uma investigação sobre os rumores de que a imagem devastadora de 1972 que ajudou a mudar a perceção global da Guerra do Vietname foi, na verdade, tirada por um 'freelancer' local pouco conhecido.

Nick Ut, o fotógrafo da AP que recebeu o crédito pela foto de miúda de nove anos a fugir nua de um ataque de napalm, ganhou o Prémio Pulitzer. Sempre disse que foi ele quem tirou a fotografia. O advogado de Ut tentou bloquear o lançamento do filme.

A AP publicou um relatório na semana passada a detalhar a sua própria investigação sobre a polémica, que não encontrou 'nada que prove que Nick Ut não tirou a fotografia', mas disse que ainda não teve acesso à pesquisa do filme.

“A AP está pronta para analisar toda e qualquer evidência e nova informação sobre esta fotografia”, disse a organização em comunicado atualizado no domingo.

O novo documentário foi desencadeado quando Carl Robinson, o editor fotográfico que estava em serviço no escritório da AP em Saigão no dia em que a imagem foi feita, começou a falar sobre a sua origem.

No filme, Robinson diz que lhe foi dito para escrever uma legenda para a fotografia atribuindo-a a Ut por Horst Faas, o chefe da secção de fotos duas vezes vencedor do Pulitzer em Saigão, que faleceu em 2012.

"Comecei a escrever a legenda... Horst Faas, que estava mesmo ao meu lado, disse 'Nick Ut. Coloca Nick Ut'", diz Robinson.

Depois de entrevistar Robinson, os cineastas identificaram o nome há muito perdido de um fotógrafo 'freelance' vietnamita que é visível noutras fotografias do local infame em Trang Bang, em 8 de junho de 1972.

Finalmente rastrearam Nguyen Than Nghe, que afirma no documentário ter a certeza de ter tirado a fotografia.

“Nick Ut veio comigo no trabalho. Mas não tirou aquela fotografia... aquela fotografia era minha”, diz.

O diretor executivo Gary Knight, fotojornalista que liderou a investigação do filme, disse à agência France-Presse (AFP) que era 'crítico' que os membros da comunicação socual 'se responsabilizem a si próprios'.

“A fotografia em questão é uma das mais importantes alguma vez feita do que quer que seja, certamente de guerra”, disse.

“Conseguir simplesmente esse reconhecimento [para Nghe]... sempre foi importante para nós, como equipa do filme, partilhar esta história com o mundo”, acrescentou o realizador Bao Nguyen.

Demasiado tarde?

Nguyen Than Nghe e Carl Robinson no Festival de Sundance a 25 de janeiro

Uma questão repetidamente levantada em resposta às novas alegações é por que demorou tanto tempo para alguém dizer o que aconteceu.

Robinson conta que, na altura em que foi colocada a legenda da fotografia, temia pelo emprego.

Acrescentou que, consequentemente, sentiu que era 'demasiado tarde' para falar abertamente, até que, décadas depois, soube o nome do 'freelancer'.

O advogado de Ut, Jim Hornstein, disse à AFP que Robinson tinha uma "vendeta de 50 anos contra Nick Ut, a AP e Horst Faas" e disse que "uma ação por difamação será apresentada em breve contra os cineastas".

No documentário, a família de Nghe diz que ele sempre falava em casa sobre o seu arrependimento por ter perdido o crédito pela fotografia.

Nghe diz: "Fiquei chateado. Trabalhei muito para aquilo, mas aquele tipo tinha que ter tudo. Conseguiu reconhecimento, ganhou prémios."

Nguyen, o realizador do documentário, disse que a ideia de que a família 'só agora se está a manifestar... é uma espécie de falácia'.

“Nos seus próprios círculos, dizem isso há muito tempo”, explicou.

Knight destaca que sempre houve 'um enorme desequilíbrio de poder no jornalismo'.

'Tem sido dominado por homens heterossexuais brancos e ocidentais desde a altura que faço parte e antes', disse.

Investigar

Nick Ut posa ao lado da famosa fotografia na sua exposição 'From Hell to Hollywood' em Milão, a 5 de maio de 2022

Os cineastas também contrataram a INDEX, uma organização sem fins lucrativos com sede na França especializada em investigações forenses, que concluiu ser 'altamente improvável' que Ut estivesse na posição certa para tirar a fotografia.

A última declaração da AP repete o seu pedido aos cineastas para partilharem as provas, incluindo relatos de testemunhas oculares e o relatório INDEX.

'Quando ficámos a saber deste filme e das suas alegações de forma ampla, levámo-las muito a sério e começámos a investigar', diz o comunicado.

“Não podemos afirmar mais claramente que a Associated Press está interessada apenas nos factos e na história verdadeira desta fotografia icónica.”