Noventa anos e em plena atividade. O genial compositor italiano Ennio Morricone, que revolucionou a banda sonora do cinema, confessa que compreendeu há pouco a necessidade do público de escutá-lo ao vivo.
"Il Maestro", como exige ser chamado segundo as instruções do seu assessor, conversou com a agência AFP antes de um concerto que oferecerá na sexta-feira em Paris e assegurou que teria "desejado falar do seu trabalho com outros grandes cineastas", como Dario Argento, Bernardo Bertolucci, Brian De Palma, Terence Malick e Quentin Tarantino, mas a entrevista terminou exatamente após os 20 minutos regulamentares.
Pergunta: Há pouco tempo começou a dar concertos. O que isso significa para si?
Ennio Morricone: Foi preciso que pedissem. Até então não tinha percebido a necessidade do público em estabelecer contacto comigo, com o desejo de descobrir o meu trabalho ao vivo, quis saber como seria e gostei.
P.: Apenas dirige as suas próprias composições. Nunca quis interpretar as dos outros?
E.M.: Não, nunca me interessei. Não as conheço tão bem como as minhas, embora as admire.
P: Como se desenvolveu a sua educação musical?
E.M.: Sirvo-me de um exemplo: quando estava no conservatório, conhecia um estudante que admirava, até o limite da obsessão, a obra de Giovanni Pierluigi de Palestrina, um compositor do Renascimento. Essa paixão impediu-o de avançar na sua própria formação, crescer como compositor. Quis evitar isso. Estudei as correntes clássicas, da Idade Média aos contemporâneos. Claro que gostei de muitas coisas, mas abstive de me apaixonar. De modo que ninguém me influenciou de forma particular.
P.: Quando era criança, frequentava a mesma escola que [o realizador] Sergio Leone. Como voltaram a conviver no cinema?
E.M.: Estivemos na mesma classe durante um ano, depois perdemo-nos de vista durante muitos anos. Desconhecia no que ele se havia tornado. Ele viu o meu nome nos créditos de um filme em que havia composto a música. Veio à minha casa e falou-me do seu projeto. Tratava-se de "Por Um Punhado de Dólares" [1964].
P.: Como trabalhavam juntos?
E.N.: Falávamos com muita antecedência. Mas embora Leone me explicasse como seria o seu filme, ele não me dava ordens. Era eu que lhe explicava o que tinha em mente, segundo o que ele me descrevia. Raras foram as vezes em que me disse "não, eu preferiria isso e não aquilo". Depois dessa primeira banda sonora, ele pediu-me para fazer algo similar para "Por Mais Alguns Dólares" [1965]. Aceitei. Mas para o terceiro filme, "O Bom, o Mau e o Vilão" [1966] , opus-me. Disse-lhe: 'Não quero que a gente trabalhe assim. Não quero repetir-me, deixe-me fazer o que quiser'. E acho que fiz bem.
P.: Apoiando-se na sua música, que mostrava antes do rodagem, Leone às vezes reescrevia algumas cenas...
E.M.: Aconteceu várias vezes. Para a sequência de abertura de "Aconteceu no Oeste" [1968], em que o homem da harmónica [Charles Bronson] é esperado por aqueles que querem eliminá-lo, Leone modificou os seus planos e a localização da câmara em função da minha música.
P.: Inovava muito para a época, incluindo sons invulgares nas bandas sonoras dos filmes, como assobios e guitarra elétrica. Tinha liberdade total?
E.M.: Não era tão difícil convencer os realizadores. Sabiam que não me interessava criar composições tradicionais, por isso também me procuravam. Gostava de trabalhar o som da realidade, o que ouvimos todos os dias. Esses ruídos que nos cercam têm a sua própria música e poderiam compor outra comigo.
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