Uma trilogia sobre o lado menos visível de Lisboa: aconteceu sem querer mas a conjugação revelou-se bem sucedida numa série de documentários de raiz social. Três retratos de facetas da capital que muitos optam por não ver mas que chegaram às salas portuguesas em menos de um ano.


«Ruas da Amargura»
foi o primeiro deles, e focava-se nos muitos homens e mulheres, de todas as idades, com carências afectivas e financeiras, a sofrerem de alcoolismo ou toxicodependência e por vezes com problemas mentais, que estão um pouco por todo o lado mas de que a maioria das pessoas prefere desviar o olhar.

Estreado a 5 de Novembro de 2009, o filme marcou o regresso às salas portuguesas do realizador
Rui Simões, um cineasta que marcara o cinema português com as duas reflexões fílmicas mais importantes sobre a viragem para a Democracia,
«Deus, Pátria, Autoridade» (1976) e
«Bom Povo Português» (1980).

Poucos meses depois, a 13 de Maio de 2010, Simões regressou às salas com
«Ilha da Cova da Moura», num olhar diferente sobre um bairro de má fama da capital, falando com as pessoas, acompanhando as famílias e expondo a realidade de um local, com alegrias e tristezas como qualquer outro, mas com a particularidade de tentar reproduzir as vivências de Cabo Verde num bairro residencial clandestino.

A 16 de Setembro, estreia
«Lisboa Domiciliária», o terceiro vértice desta espécie de trilogia sobre Lisboa, que não teve qualquer intenção de sê-lo no início, já que derivou de uma coincidência no acabar e na estreia dos filmes, mas que, em menos de um ano, apresenta um retrato documental importante de um lado menos visível da capital. Neste filme em concreto, aliás, não propriamente de um outro lado da cidade, mas sim «das entranhas de Lisboa», como sublinhou a realizadora
Marta Pessoa, num filme em que Rui Simões se limitou ao papel de produtor, que também acumulara nas fitas anteriores, através da sua produtora Real Ficção.

Em
«Lisboa Domiciliária», o espectador entra nas casas de sete idosos que vivem praticamente confinados nos seus lares, não só pelo desfasamento que alguns sentem em relação ao mundo exterior mas principalmente pela sua debilidade física, que torna quase impossível ultrapassar as escadarias características dos edifícios antigos da capital. E é um retrato não só de um isolamento forçado como também da forma de apoio domiciliário com que o exterior, melhor ou pior, toca a vida de um grupo cada vez maior de pessoas, que todos vêem no alto das suas janelas sem perceberem exactamente o que se esconde para lá delas.