Parecia ser uma manhã de domingo normal. Vasco Temudo estava a trabalhar numa loja de roupa portuguesa de uma amiga de um amigo. O telefone tocou: era a produção de "A Guerra dos Tronos". Mas o jovem ator português começou por pensar que era uma brincadeira.
"Estava a trabalhar numa loja de roupa portuguesa de uma amiga de um amigo meu a um domingo. Eram 10 horas da manhã quando me ligam para o telemóvel a dizer que me estavam a ligar da produção de 'A Guerra dos Tronos' e que me tinham enviado para o e-mail um mapa de disponibilidades. Pensei que era uma brincadeira. Quando olhei para o telemóvel e vi que o número do qual me estavam a ligar não era português, fiquei perplexo e disse que iria, então, ver o e-mail e responder", conta Vasco Temudo, de 26 anos e que trabalha sobretudo em teatro.
"Eu já tinha enviado o meu currículo para a produção da série na altura em que estavam a gravar em Espanha, há já alguns anos. Nunca obtive resposta - eu sou assim, há uma janela? Vamos tentar que seja uma porta. Tanto é que também já tinha enviado uma self-tape para o Steven Spielberg para o filme que está a fazer, um remake do 'West Side Story', sem sucesso esse)", lembra.
O jovem viu o mail e cinco minutos depois a produção da série da HBO voltou a entrar em contacto. "Bem, Vasco, então consegues estar cá amanhã ás 5h da manhã nos estúdios?", perguntaram. "Eu estava em Lisboa e os estúdios de que ela falava eram os Titanic Studios, um dos maiores estúdios de gravação do mundo e em Belfast, na Irlanda do Norte. Respondi que iria tentar porque estava em Portugal. Aí ela [a responsável da produção] mostrou-se um pouco reticente, desacreditando da minha possibilidade de estar presente", recorda.
Vasco pediu mais cinco minutos. "Procurei voos, liguei à minha mãe a pedir ajuda e lembrou-me que de Faro as possibilidades de ter um voo eram maiores e assim foi. Tinha um hora para ir a casa, fazer uma mala, apanhar um autocarro que me levou de Lisboa até Faro e mais uns 45 minutos para ir de Faro até ao aeroporto para apanhar o avião", recorda, contando que durante a viagem conseguiu comprar o bilhete de avião e reservar um hostel em Belfast.
Ao SAPO Mag, Vasco conta que durante a viagem conheceu dois casais irlandeses que o ajudaram. "Levaram-me ao hostel no seu próprio carro e ainda me deram snacks caso tivesse fome. Eram quase duas da manhã. Às quatro da manhã estava a levantar-me e a chamar um Uber para ir para os estúdios, onde dei entrada às cinco da manhã", lembra.
Em "A Guerra dos Tronos", Vasco Temudo fez parte do exército dos "unsullied" e gravou várias cenas diferentes. Mas antes de arrancarem as filmagens, o jovem português passou pelo 'controlo de segurança': "Taparam-me as duas câmaras do telemóvel onde se lia: 'não remover'. Respeitei-as durante o tempo todo e quando saí dos estúdios e as tirei, elas passaram de transparente (cor original) a vermelho, o que demonstrava que teriam sido violadas. Assinei papéis e papéis de confidencialidade", conta.
"Depois de cinco minutos a caminhar cheguei a uma enorme tenda com um enorme pequeno-almoço e incrivelmente variado como nunca antes tinha visto", lembra. "Chamaram-me pelo nome, com um sotaque bastante carregado, onde me indicaram que teria de me dirigir à parte dos cabelos de da maquilhagem. Fui rapar o cabelo - e pagaram-me por isso", revela o jovem.
"Depois de me vestir, levaram-me a um local forrado a plásticos para me sujarem com sangue e terra. Estava na hora de ir para o set. Ecrãs de cor verde florescente, um deles era um muro da altura de um prédio de cinco andares. Figurantes que rondavam as 70 pessoas. Assistentes de produção por todo o lado. Câmaras eram muitas. Umas voavam, outras tinham braços extensíveis, outras tinham carris… nunca antes tinha visto tanto aparato. Painéis reflectores que se faziam mover por braços gigantes robotizados… um mundo novo. Sentia-me uma criança na Disneyland", confessa.
O jovem ator conta que gravou "muitas cenas e com muitas mortes". E cada cena foi gravada ao pormenor: "Fizemos diversas deslocações coreografadas ao milímetro e de vários ângulos de câmara. Foi exaustivo, mas os assistentes de produção estavam sempre lá. Gravámos cenas de guerra. Foi realmente intenso. Emocionei-me… e senti lágrimas a lavarem-me o rosto à medida que a gravidade as forçava a cair", revela.
Para Vasco Temudo, "foram dois dias repletos de cansaço, dedicação, força, perseverança e emoção". E uma realidade muito diferente da vivida em Portugal. "É completamente diferente. Neste caso, pagam muito mais, o tratamento é de uma excelência incomparável, super respeitadores. Não há diferenças de tratamento, diria que os extras são tratados de igual forma como os actores principais", conta.
Além de "A Guerra dos Tronos", Vasco Temudo tem-se dedicado especialmente ao teatro. "Já fiz teatro experimental, teatro físico, teatro de marionetas, teatro musical, teatro de rua, já fiz cinema, já fiz televisão", conta.
"Sempre fui muito curioso em tudo na vida e quero ser um actor versátil e é nesse sentido que tenho trabalhado. Gosto e quero sempre aprender coisas novas. Sujar as mãos. Mas sim, tenho tido ainda algum trabalho desde que acabei a minha formação académica em 2012", revela ao SAPO Mag.
Mas ser ator em ator em Portugal não é fácil, frisa Vasco Temudo. "É muito difícil. O que vemos no ecrã são uns 10% dos actores portugueses. E é uma pena que para o grande público o actor só é validado como tal quando faz uma novela", defende.
"Baixos rendimentos, com recibos verdes… diz tudo. A maior parte não tem um sítio fixo, isto é, ora trabalha para uma companhia como depois esse trabalho acaba (entenda-se por trabalho, espectáculo) depois tem de já pensar no próximo trabalho porque vem aí mais um mês… é frustrante, é exaustivo… é uma luta constante pela sobrevivência", acrescenta.
Os novos episódios de "A Guerra dos Tronos" estreiam, em Portugal, na madrugada de 14 para 15 de abril no SyFy e no serviço de streaming HBO Portugal.
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