Antes de "Terapia" houve "BeTipul", série israelita estreada em 2005 que acompanhava a rotina de um psicoterapeuta ao longo de cinco dias por semana, focando-se maioritariamente nas conversas com os seus pacientes. O drama acabou por inspirar várias versões noutros países, incluindo em Portugal, numa aposta da RTP protagonizada por Virgílio Castelo. Mas a mais popular foi a adaptação norte-americana, que chegou ao pequeno ecrã em 2008 e tornou Gabriel Byrne e Dianne Wiest nos rostos mais associados à série da HBO.
Onze anos depois do final da terceira temporada, "Terapia" regressa com uma nova cara numa continuação que propõe outro cenário e outras personagens. Desta vez, a ação muda-se de Nova Iorque para Los Angeles e a protagonista é a Dra. Brooke Taylor., interpretada por Uzo Aduba, personagem com ligações ao Dr. Paul Weston de Byrne.
"Queríamos assegurar que quem viu as três temporadas anteriores percebesse que esta, apesar de ter novos elementos, ainda tem as mesmas preocupações. A Dra. Brooke é uma protegida do Dr. Paul Weston e vêm ambos dos mesmos institutos. Há alguma ligação, mas praticam terapia de uma forma um pouco distinta. E através dela, também quisemos chegar a novos espectadores", explica ao SAPO Mag Joshua Allen ("Empire"), um dos criadores da nova versão, numa conversa virtual com meios internacionais.
O facto de ter uma mulher negra como protagonista não é um pormenor, esclarece. "Quando pensámos nesta temporada, decidimos logo que queríamos uma mulher negra no centro, como terapeuta. Queríamos um olhar diferente e explorar outras realidades. Esta protagonista permitiu-nos ver como a terapia é percecionada em comunidades minoritárias".
Um regresso e um recomeço
Uzo Aduba considera que "foi estimulante poder ocupar este espaço. Já foram contadas histórias sobre saúde mental, mas raramente as vimos com alguém como eu a ajudar a contá-las. Espero sinceramente que possa ser o começo de algo mais, de uma reflexão mais profunda, para que as minorias se possam ver não só como pacientes mas também como terapeutas. Porque eles também existem. É importante mostrar que este é um tema que diz respeito a todas as pessoas".
Jennifer Schuur ("A Amiga Genial", "Unbelievable"), outra das produtoras executivas, assinala que este regresso pretende "estar à altura da série original e ao mesmo tempo adaptá-la à realidade de hoje. O espectador de hoje é muito diferente do de há dez anos e a série original foi muito inovadora ao propor cinco episódios por semana com a personagem do Gabriel Byrne e os seus pacientes. Mas as pessoas já não vêem televisão dessa forma, por isso tivemos de pensar em formas de captar a sua atenção e convidá-las para esta temporada de uma forma que fosse entusiasmante e nova, sempre sem perder de vista o retrato da experiência humana".
Schuur acrescenta que Uzo Aduba "é parte dessa novidade e permite perceber como é que a terapia é vista em diversas realidades". O novo cenário também ajuda a alavancar um regresso e um recomeço: "A mudança para Los Angeles proporciona uma atmosfera diferente: depois de Nova Iorque, temos sol, palmeiras e uma grande e bela casa na qual a Brooke trabalha. Mas mantemos a dinâmica da terapeuta e dos seus pacientes a tentar compreender temas delicados, semana a semana".
"Ninguém estava mentalmente preparado para o que aconteceu no ano passado"
Os temas em jogo nas consultas estão entre os motivos que levaram Uzo Aduba a participar na série. "Aborda temas desafiantes de uma forma desafiante", diz, avançando que a nova fase vai centrar-se "num paciente recém-saído da prisão, em questões LGBTQI+, no suicídio de adolescentes ou nas disparidades da distribuição de riqueza". E elogia tanto os argumentistas como os atores, todos "muito perspicazes ao não abordarem estas questões de uma forma convencional" - Joel Kinnaman, Anthony Ramos, Liza Colón-Zayas, John Benjamin Hickey e Quintessa Swindell são outros nomes do elenco.
Jennifer Schuur confessa que a escolha dos temas no centro das consultas foi um dos grandes desafios. "Tentámos ter a certeza de que abordamos questões relevantes, mesmo passados seis meses. É uma temporada que surge num tempo e espaço muito específico, tal como as outras versões da série que nasceram por todo o mundo. Fizemos figas para que os temas que nos interessavam há quase um ano ainda fossem interessantes para o público agora".
Joshua Allen concorda e lembra um tema particularmente desafiante. "Tivemos muitas conversas sobre a forma como abordaríamos a COVID-19. A pandemia trouxe muitas questões de saúde mental em todo o mundo, por isso não poderíamos fazer esta série num universo em que ela não existisse. Mas os episódios foram filmados no ano passado e não sabíamos como iria estar o mundo em maio de 2021: se haveria vacinas, quais seriam os números de mortos e infetados. Mas sabíamos que não podíamos passar ao lado dessa questão. E ela está presente, embora não seja dominante na série".
O produtor executivo acredita que "ninguém estava mentalmente preparado para o que aconteceu no ano passado". "Nunca pensei que não poderia abraçar a minha mãe durante um ano. É um nível de trauma, ansiedade, confusão e desespero sem precedentes, já para não falar das questões económicas. Sinto que todos precisamos de alguém que nos ajude a lidar com isso, mesmo que essa pessoa também ainda esteja a tentar lidar com isso. (risos) Precisamos de falar, muito do sofrimento da pandemia deve-se ao isolamento", defende.
"Esta é uma série diferente de qualquer outra que vi ou na qual participei"
Conhecida por papéis fortes em séries como "Orange Is the New Black" ou "Mrs. America", Uzo Aduba conta que a sua nova personagem "fez com que passasse a respeitar muito" a profissão de terapeuta "e o quão difícil é". "Quem tem uma consulta, está uma hora com eles. Mas nunca tinha parado para pensar que eles fazem isso o dia todo. Antes de eu ir, foi alguém, e depois de eu ter ido também vai alguém. E podem entrar todos os tipos de pessoas com todos os tipos de questões, o que é um grande peso e um grande desafio emocional. Um terapeuta tem de gerir aquilo que quem o consulta está a sentir mas também o que ele próprio está a sentir".
A atriz admite também que não estava familiarizada com "Terapia" até aqui. "Não vi a série na altura da estreia nem fui ver muito dela agora porque foi a primeira vez que participei num reboot e não queria sentir-me limitada pelo que já tinha sido feito. Vi um episódio só para ter noção do formato. Também quis saber que formas de tratamento há para tentar perceber qual seria a mais apropriada para a Brooke Taylor".
A norte-americana realça o desafio da linguagem, um dos maiores que enfrentou no projeto. "Esta é uma série diferente de qualquer outra que vi ou na qual participei. Basicamente, consiste em dois atores a conversar, como se fosse uma peça de teatro. Foi a primeira vez que vi monólogos na televisão sem qualquer tipo de efeito exterior: não há cenas em que a personagem está a pensar na conversa que teve ou que vai ter com o namorado. Não há nada desse tipo. Dois atores, uma sala, diálogos".
Uzo Aduba sublinha ainda as valências interpretativas que este projeto lhe trouxe. "É um ótimo exercício para um ator. É muito diferente de um filme, de uma peça ou de uma série onde tenho muitos espaços que posso ocupar com muita liberdade de expressão corporal. Aqui tive de pensar como era a Brooke quase sempre sentada numa sala, tendo apenas uma cadeira como o seu espaço. É tudo muito em torno das mãos, dos pés, e percebi que há diversas formas de comunicar fisicamente. Comecei a criar um vocabulário para ela na cadeira. E depois foi mesmo entusiasmante interpretá-la nas cenas em que teve de sair desse espaço e andar, o que me obrigou a pensar nos pequenos e grandes detalhes das suas formas de expressão".
Essa atenção ao pormenor reforçou o lugar especial de Brooke Taylor no seu percurso. "Este foi o papel em que senti mais de mim na personagem. E por isso foi mais difícil desligar-me dela ao fim de cada dia de filmagens. Não sei se fui sempre bem-sucedida", confessa.
A quarta temporada de "Terapia" conta com 24 episódios e os dois primeiros estão disponíveis na HBO Portugal a partir desta segunda-feira, dia 24 de maio.
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