Em meados da década de 1950, o jovem Carl Sagan sonhava acordado no tapete do seu apartamento em Nova Iorque e imagina algo único: uma era espacial e o arranque da viagem ao espaço interestelar. Ao longo da sua vida, guardou todos os sonhos de menino e começou a partilhá-los com o mundo em 1980, na primeira temporada de "Cosmos: A Personal Voyage".
40 anos depois da estreia da série científica mais vista do mundo, é a hora de olhar para o futuro com uma nova temporada: "Cosmos: Mundos Possíveis" estreia esta segunda-feira, dia 9 de março, às 22h10, em Portugal, no National Geographic. Antes do arranque da terceira temporada de "Cosmos", o SAPO Mag viajou até Paris para conversar com Ann Druyan, viúva de Carl Sagan e produtora de todos os episódios, e Neil DeGrasse Tyson, astrofísico que conduz a narrativa.
Tal como aconteceu nas duas primeiras temporadas (1980 e 2014), "Cosmos: Mundos Possíveis" vai olhar para o futuro, imaginar o que está para chegar e alimentar sonhos, tendo sempre presente o sonho maior de Carl Sagan, o da descoberta. "A série é sobre sonhos e sobre realidades possíveis. Acho que os sonhos são como os mapas. E eu fui inspirada pelo desenho que o Carl Sagan fez quando era criança, quando tinha 11 anos e vivia num apartamento em Brooklyn. Os pais dele nunca tinham conhecido um cientista e ele desenhou aquela ilustração da viagem ao espaço interestelar. É maravilhoso", conta, com um brilho no olhar, Ann Druyan, responsável por criar e produzir "Cosmos".
"E esta é realmente a mensagem de 'Cosmos'. Lembrem-se que foi algures em 1945 que ele fez o desenho, 12 anos antes de Sputnik (nome do programa que produziu a primeira série de satélites artificiais soviéticos). Ele conseguiu ver esse sonho", frisa a produtora e viúva de Carl Sagan.
Veja o teaser de "Cosmos: Mundos Possíveis":
Para Ann Druyan e para toda a equipa que trabalhou na nova temporada de "Cosmos", Carl Sagan continua a ser a principal inspiração. "É quase anedótico, mas sinto que o Carl é mais adorado agora do que nunca. Ele sempre foi sincero e o que ele escreveu há 40, 50 anos ou há 30... toda a gente viu que era real tal como ele disse. Ele foi o ser humano mais desenvolvido que eu conheci", sublinha, elogiando o "seu cepticismo e o seu rigor no modo de pensar a ciência".
"Não posso ocupar o lugar dele. Ele era o Carl Sagan"
Neil DeGrasse Tyson, popular astrofísico norte-americano, assume pela segunda vez o papel de apresentador na série "Cosmo" - só a primeira temporada foi conduzida por Carl Sagan - e não poupa nos elogios ao cosmólogo e divulgador de ciência. "Não posso ocupar o lugar dele. Ele era o Carl Sagan. Só posso ocupar o meu lugar", frisa em conversa com o SAPO Mag e com outros jornalistas europeus.
"Sei que não posso ser o Carl Sagan, mas estou a carregar o ADN de 'Cosmos'", acrescenta, admitindo que tem algumas coisas em comum com o criador da série. "Tenho uma certa exposição e uma visibilidade porporcional à do Carl Sagan. É uma boa combinação, acho eu. Mas acho que ninguém diz 'billions' da mesma forma que o Carl Sagan", graceja.
Mas para Neil DeGrasse Tyson, o cosmólogo não é a única peça chave da série. "A Ann é que é importante aqui. Ela é a contadora de histórias, a força criativa", defende, sublinhando que "não é importante quem é o apresentador". "O importante é aquilo que 'Cosmos' passa", remata.
"Tinha a ideia para a terceira temporada e estive a colecionar histórias"
"A Ann é cientificamente alfabetizada e emocionalmente instruída de uma forma que pode apresentar a ciência de uma maneira diferente dos outros documentários", defende o astrofísico. "Bem, acho que ninguém se sente confortável a dizer que 'Cosmos' é um documentário. Simplesmente não é. É outra coisa", lembra.
Ao contrário do que defende Neil DeGrasse, Ann Druyan diz que pouco sabe sobre ciência. "Tudo foi um grande desafio porque, antes de tudo, sou ignorante [sobre ciência] e precisava de ajuda de muitos cientistas para entender melhor as várias áreas", conta.
"Tinha a ideia para a terceira temporada e estive a colecionar histórias. Depois sentei-me com o meu colaborador Brannon Braga ["The Orville" e "Star Trek"] e ficámos um ano a analisar tudo. Depois escolhemos uma dúzia de cientistas de várias áreas e começámos a fazer perguntas. Não tive vergonha de fazer perguntas básicas porque era a única forma de realmente percebermos tudo", explica a produtora, lembrando que a equipa transitou da segunda para a terceira temporada e que conta com alguns "dos melhores da indústria do entretenimento", como Seth MacFarlane ("The Orville" e "Family Guy"), Jason Clark ("The Orville") ou Kara Vallow ("Family Guy" e "American Dad!").
Para a equipa, todo o trabalho de pesquisa e consulta é fundamental para cumprir o objetivo de "Cosmos": tornar a mensagem acessível a todos. "Deve haver sempre uma forma de percebermos a ciência, qualquer que seja o conceito científico", defende a produtora.
Veja os três primeiros minutos da nova temporada:
"Não queremos que a série seja uma palestra. Ninguém quer que andemos a pregar. Se tiveres uma mensagem, a mensagem deve ser perfeitamente entregue à pessoa que está a aprender. Tem de sentir que aprendeu algo", frisa Neil DeGrasse Tyson. "A nova temporada tem momentos divertidos. Acho que quem vê televisão quer divertir-se. Não querem que seja uma tarefa árdua e eu tento dar um pouco de entusiasmo ao entregar a narrativa, que é tudo", acrescenta o norte-americano.
Mas não serão só os espectadores que vão conhecer e descobrir os "mundos possíveis" para lá da Terra. Neil DeGrasse Tyson também confessa que se surpreendeu ao gravar os episódios. "Há sempre oportunidade de descobrir novas perspectivas (...) Por exemplo, aconteceu quando fomos à Lua. O que estará lá em cima? Oh meu Deus. Está ali a Terra. Fomos lá para explorar a Lua e descobrimos a Terra pela primeira vez", explica.
O futuro sempre esteve presente em "Cosmos". Em "Mundos Possíveis", Ann Druyan espera dar uma "visão do futuro que ainda poderemos ter se tivermos a sabedoria e a vontade de agir de acordo com o que os cientistas nos dizem".
"A série explora a tapeçaria entrelaçada que é a vida na Terra e convida-nos a lembrar dessa verdade enquanto construímos coletivamente o futuro da civilização", sublinha Tyson. "A ciência é uma ferramenta incrivelmente poderosa para nos beneficiar... mas não queremos que ela nos beneficie de uma forma que perturbe o ecossistema que nos sustenta", acrescenta.
"Eu não quero apenas sobreviver ao futuro. Todos queremos superar-nos. É isso que todos desejamos. E podemos fazer isso sem destruir o que nos apoia em primeiro lugar? Isso requer engenharia, invenções cientificas. E tudo isso está na nova temporada. Não estamos a tentar pregar. Mas no fim de verem a série, vão dizer: 'sinto-me diferente'", frisa.
Para Neil DeGrasse, "cada episódio tem algumas mensagens". "Cada episódio tem o seu caminho, mas há um arco que chega ao clímax no episódio 13, depois de 13 horas em que estamos a imaginar o futuro".
"Acho que a série está cheia de esperança"
"Acho que a série está cheia de esperança. É realmente uma visão com esperança do futuro", defende a produtora. "Alguns podem ser sonhos menos realistas neste momento. Mas quem sabe? E tudo está baseado na ciência", remata.
Neil DeGrasse partilha da mesma opinião e deixa no ar quase uma certeza: "Acho que no nosso tempo de vida vamos descobrir se existe ou não vida noutro lugar do sistema solar".
Segundo o National Geographic, a terceira temporada é a mais arrojada e os 13 episódios foram filmados em 11 países diferentes. A produtora revela ainda que a série contou com a participação de mais de mil pessoas de várias áreas, incluindo da indústria do entretenimento, como Karl Walter Lindenlaub ("O Dia da Independência"), Ruth E. Carter ("Black Panther"), Alan Silvestri ("Os Vingadores"), Jeff Okun ("Confronto de Titãs"), Lucas Gray ("Os Simpsons"), Brent Woods ("American Dad!" e "Family Guy") ou Duke Johnson ("Anomalisa").
"O meu sonho é que ninguém se sinta excluído dos presentes da ciência"
"Mais que um desafio, é a alegria de fazer isto porque estás a aprender todos os dias", frisa Ann Druyan, acrescentando que o amor por Carl Sagan também a motiva: "Quero fazer a série porque ainda estou apaixonada por ele e porque tive o privilégio de passar 20 anos com ele".
"Se 'Cosmos' continuar a inspirar as pessoas de todo o mundo, irei continuar. Muito além dos meus sonhos", garante Ann Druyan. "E o meu sonho é que ninguém se sinta excluído dos presentes da ciência", confessa.
No final da conversa com os jornalistas, em Paris, Neil DeGrasse Tyson deixou ainda um pensamento no ar, depois de ser desafiado a revelar o que pensa quando olha para o infinito do universo: "Não me sinto pequeno (...) Olho para o universo e para os átomos que estão nos nossos corpos (...) Então, olho para mim e olho para cima e digo: eu não sou especial por ser diferente, sou especial por ser igual. Se as moléculas do meu corpo estão espalhadas pelo universo, não vivemos apenas neste universo. O universo vive dentro de nós e não há nada de pequeno nisso".
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