Em equipa que ganha não se mexe e o mesmo valerá para alguns genéricos iniciais. Ainda hoje, à distância de quase 23 anos, as imagens que começaram por apresentar a série de Chris Carter, associadas à icónica música de Mark Snow, são uma cápsula do tempo tão magnética como nas noites em que surgiram por cá na TVI - outras noites e outros tempos, de facto.

Não admira que essa imagem (e som) de marca tenha permanecido praticamente intacta entre 1993 e 2002, ao longo das nove temporadas da aposta da FOX, sofrendo apenas ligeiras mudanças nas duas últimas, devido à menor participação de David Duchovny na reta final (ou assim se julgaria) da saga, com a remoção do seu nome e foto dos créditos de alguns episódios.

Além de deixar uma primeira impressão forte, atirando-nos logo para a atmosfera de mistério, dúvida e paranóia, "Ficheiros Secretos" foi igualmente certeira ao captar o espírito de um tempo na ressaca de outros fenómenos comparáveis da ficção norte-americana, do pequeno ao grande ecrã. "Twin Peaks" e "O Silêncio dos Inocentes" também condensaram algum mal estar social de inícios dos anos 1990 e foram uma influência assumida para estes relatos das investigações de um departamento do FBI dedicado a atividades paranormais.

Mas as inspirações mais fortes até estão mais lá para trás: as alucinações de "A Quinta Dimensão" ("The Twilight Zone") ou o terror urbano de "Kolchak: The Night Stalker" não pararam de assombrar Chris Carter durante vários anos, encorajando uma viragem de percurso depois de projetos do argumentista e realizador norte-americano nos estúdios Disney ou em vários pilotos de séries sem sinal verde.

Duo ele e ela

A par da ficção, sobretudo televisiva, também a realidade acabou por abrir caminho para "Ficheiros Secretos". Os desenvolvimentos do escândalo Watergate ou um estudo sobre a crença de norte-americanos em abduções por extraterrestres, por exemplo, ajudaram a alargar o campo temático que a série percorreria. Talvez menos óbvia, pelo menos a nível programático, é a influência da série britânica "Os Vingadores", mas Carter assume que a dinâmica dos protagonistas, assim como o facto de contar um um homem e uma mulher no centro da ação, deve alguma coisa a essas aventuras despretensiosas dos anos 1960.

Por muito imaginativos e arrojados que fossem os casos, "Ficheiros Secretos" dificilmente seria a mesma coisa sem Fox Mulder e Dana Scully - e quando tentou sê-lo, em parte, nas últimas temporadas, resultou na fase que deixou menos saudades à grande maioria dos fãs.

Ele, obcecado com uma conspiração governamental e traumatizado pelo desaparecimento da irmã, supostamente abduzida, e ela, médica pragmática e cética, emocionalmente distante dos casos, foram alimentando o jogo de sugestões, desvios e confirmações que começou a prender muitos de semana a semana.

"Quando começámos, em 1993, éramos muito verdes. Eu tinha tido quatro ou cinco papéis, ela [Gillian Anderson] um ou dois", conta David Duchovny ao New Musical Express. "Fico embaraçado com a minha interpretação. Mas um bocado impressionado com o meu entusiasmo. Estou contente por me ter tornado melhor no que faço e por a série não ter sido cancelada ao fim de um ano", acrescenta numa entrevista à Empire.

Apreciações de interpretação à parte, a verdade é que a química entre David Duchovny e Gillian Anderson contribuiu muito para o carisma da série, temperando casos à partida demasiado sisudos com um humor que a espaços se tornou no elemento central de alguns capítulos. Sem medo de ir do suspense ou mesmo do terror à paródia, a série deu considerável liberdade criativa aos argumentistas, com resultados irregulares - até os seguidores mais acérrimos encontram episódios falhados -, mas com triunfos mais do que suficientes para compensar o risco.

Com que voz(es)

"A grande qualidade do Chris Carter como produtor foi a de identificar bons argumentistas e deixá-los ter a sua voz. 'Ficheiros Secretos' era sempre diferente de semana para semana porque tinha argumentistas fortes com uma voz única, não guiões decididos por um comité, acho que foi isso que tornou a série incrível - a escrita era muito boa e inclusiva", sublinha Duchovny à Empire.

Com cerca de 20 episódios por temporada, a narrativa alternava entre os casos do "monster of the week", uma ameaça iniciada e resolvida ao longo de uma hora, e o longo novelo do "mytharc", que abarcou todas as épocas e mergulhou nas teorias da conspiração sobre uma invasão extraterrestre. Este formato, não sendo inédito no pequeno ecrã, teve em "Ficheiros Secretos" uma das referências mais constantes e influentes dos anos 1990, servindo de alavanca para muito do que se seguiria: de "Perdidos" a "Fringe", de "Bones" a "Supernatural", ou mesmo pela lógica de procedural das várias versões de "CSI".

Outra série reputada que deve algo à saga de Chris Carter é "Breaking Bad", uma vez que o seu criador, Vince Gilligan, teve nas investigações de Mulder e Scully uma importante rampa de lançamento como argumentista. "Os episódios dele eram sempre magníficos. O que o tornava ótimo eram as várias vozes. Não era algo homogéneo", relembra Duchonvy. Mas não foi a única herança que "Ficheiros Secretos" deixou a "Breaking Bad": o argumentista Thomas Schnauz, a realizadora e produtora Michelle Maclaren ou o realizador, argumentista e produtor John Shiban também fizeram escola na produção da FOX. O mesmo ocorreu com alguns nomes do elenco da saga de Walter White: Bryan Cranston, Aaron Paul e vários secundários tiveram pequenos papéis ao lado de Anderson e Duchovny.

Também guionistas de referência, Alex Gansa e Howard Gordon acabariam por criar "Segurança Nacional" e produzir "24", enquanto James Wong e Glen Morgan se mantiveram próximos de "Ficheiros Secretos", realizando e escrevendo alguns capítulos da minissérie que chegou esta semana. Os seis episódios previstos para 2016 podem ser os mais recentes, mas não é tão certo que sejam os últimos - sobretudo se as audiências nos EUA se mantiverem tão entusiastas como no passado domingo, apesar das críticas menos eufóricas. A dupla de agentes volta a juntar-se, Chris Carter volta a acompanhá-la como argumentista e realizador do arranque. À partida, isso já chega para ter alguma fé neste regresso. Mas será suficiente para voltarmos a querer acreditar?

A minissérie de "Ficheiros Secretos" estreia esta terça-feira, 26 de janeiro, na FOX, às 22h15, em episódio duplo. Os casos são novos, o genérico é o de sempre.