"Na cultura latina, ainda é muitas vezes um assunto tabu", diz Ana Ortiz ao SAPO Mag, via Zoom, ao abordar a questão da homossexualidade. "Por isso, acho ótimo que um adolescente que não consegue falar desse assunto com os que lhe estão próximos possa introduzi-lo através de uma série que pode ser vista em família. Não me lembro de alguma vez ter visto uma série na qual um rapaz latino questiona a sua orientação sexual".

A atriz nova-iorquina de ascendência porto-riquenha refere-se ao dilema de Victor Salazar, adolescente latino-americano que vive com uma família católica e da classe média baixa à qual receia revelar a sua orientação sexual. Este é o ponto de partida de "Love, Victor", aposta da Hulu que chegou esta terça-feira a Portugal através do Star, a nova área de entretenimento da plataforma de streaming Disney+.

Ana Ortiz
Ana Ortiz

Spin-off da comédia dramática "Com Amor, Simon" (2018), de Greg Berlanti, a série criada por Isaac Aptaker e Elizabeth Berger (argumentistas do filme e de "This Is Us") expande esse universo com um olhar sobre a adolescência mais amplo, que não se foca apenas na descoberta sexual do protagonista e dá espaço às inquietações de outras personagens. Mas os dramas nunca abdicam do tom caloroso e esperançoso que marcou a obra antecessora (uma opção deliberada dos autores, como explicou ao SAPO Mag o produtor executivo Brian Tanen).

Esse olhar otimista não impede, no entanto, que algumas personagens vivam momentos aflitivos. É o caso de Isabel Salazar, a mãe de Victor. "Ela tem um amor feroz pelo filho, sem comparação com qualquer outra coisa no mundo, mas o seu Deus insiste em dizer-lhe que ele está a cometer um pecado. É uma posição muito difícil para se estar e a sua luta interior é desafiante – e muito comum", conta Ana Ortiz.

Betty Feia
Betty Feia

A atriz de 50 anos, que tem mantido um percurso na televisão e no cinema desde a década de 1990, já esteve aqui antes. Mas não exatamente desta forma. Uma das suas personagens mais populares, Hilda Suarez, que encarnou em "Betty Feia", também era mãe de um adolescente homossexual. "Mas tinha uma postura muito protetora e cúmplice. Não tinha problemas nenhuns com isso. A Isabel é o oposto, não aceita o filho. Ama-o muito, mas tem medo de que ele vá para o inferno! [risos] Por isso, tem sido um desafio conseguir interpretá-la com amor, empatia, verdade. E adoro, adoro interpretar esta personagem! E adoro trabalhar com o Michael [Cimino, ator que interpreta Victor], termos estes conflitos".

"Chegaram-me várias reações de mães"

Estreada no verão passado nos EUA, através da Hulu, "Love, Victor" foi abraçada pelos subscritores da plataforma, diz a atriz, e a crise de Isabel não passou despercebida. "A série tem tido um acolhimento maravilhoso, as pessoas reagiram muito bem a estas personagens, tenho tido muitos relatos de famílias que a acompanham em conjunto. (...) Chegaram-me várias reações de mães que dizem ter um filho gay que adoram. Mas também tive algumas mensagens de mulheres que diziam algo como 'O meu filho é gay, expulsei-o de casa, não falo com ele há cinco anos. Mas a minha irmã convenceu-me a ver esta série e agora vou ligar-lhe.' Isto aconteceu duas vezes. Não é o suficiente, mas já são duas vezes", revela.

"Direitos gay são direitos humanos. Qualquer pessoa que questione quem é deve ter espaço para o poder fazer. Se uma pequena série como esta puder ajudar de alguma forma, por pouco que seja, ótimo, é para isso que a arte existe", sublinha.

Por agora, depois dos dez episódios iniciais, "Love, Simon" parece ter tido impacto suficiente para garantir uma segunda temporada, cujas filmagens já arrancaram. "Acho que vai fazer a diferença. Estou muito contente por podermos ser vistos fora de portas, porque se o público internacional também gostar, haverá maior probabilidade de continuar a contar este tipo de histórias", confessa.

"Estamos sempre a ouvir dizer que a representatividade importa, já se tornou um cliché. Mas acredito mesmo que importa. Nunca me pude ver na televisão quando era mais nova. Nunca houve uma miúda porto-riquenha que se limitasse a ser ela própria".