Por causa de informações que omite, um ensaio detalhado publicado pelo The Guardian esta quarta-feira (3) acusa o documentário "Allen V. Farrow" de ser um exercício "puramente de relações públicas" que favorece a posição da família da atriz Mia Farrow contra o realizador Woody Allen.

O documentário em quatro episódios da HBO aborda a acusação de abuso sexual de Dylan Farrow, filha adotiva de Mia Farrow, contra o realizador, em 1992, quando tinha sete anos, que este sempre negou.

Apesar de se promover como um trabalho de investigação, o jornal britânico defende que o trabalho dos realizadores Amy Ziering e Kirby Dick é "tão tendencioso e parcial como o anúncio de um candidato político a difamar um adversário durante a época de eleições" (nota: a crítica do SAPO Mag descreveu o documentário como um "panfleto anti-Woody Allen" que "envergonha o jornalismo de investigação").

Convicta de que o documentário aposta que os seus espectadores se tenham esquecido dos detalhes com o passar do tempo, a jornalista Hadley Freeman faz uma recapitulação dos que são mais conhecidos: a confissão de Woody Allen, então com 57 anos, de que estava a ter um caso amoroso com Soon-Yi Previn, de 21, filha adotiva da sua parceira de uma década Mia Farrow; a acusação que a atriz fez de ele ter abusado sexualmente de Dylan meses mais tarde, no auge do processo de separação; os relatórios médicos de dois Estados que investigaram e não encontraram provas credíveis desse abuso.

O ensaio defende que os realizadores "jogam com duas correntes fortes na cultura popular de hoje" para o seu trabalho: o enorme apetite dos espectadores pelos documentários sobre crimes verdadeiros e a "reavaliação dos erros do passado, olhando para um tempo distante, quando as pessoas eram insuficientemente evoluídas para compreender a justiça social".

Mas acrescenta que a não ser que exista alguma revelação nova decisiva, estas duas correntes lutam entre si porque o apelo do género é a sua ambiguidade, dando aos espectadores o papel de detetives. Mas o documentário é acusado de ignorar as muitas ambiguidades à volta do caso Allen ao longo dos anos porque os seus realizadores não estão "interessados nisso" mas sim em "justiça social".

Recordando que um dos realizadores, Kirby Dick, se definiu no passado como "ativista e cineasta", o The Guardian destaca que o ativismo pode ser o oposto de jornalismo "porque em vez de fazerem perguntas para descobrir a verdade, a conclusão parece pré-determinada desde o início, com os factos inconvenientes a serem colocados de parte... e há muitos factos inconvenientes quando se trata de Allen".

Minucioso na recapitulação das omissões e da sua descrição, destacam-se as dos depoimentos de testemunhas oculares que apoiam a tese de inocência de Allen e prejudicam a imagem de Farrow como boa mãe; de terapeutas que avaliaram e trataram Dylan ainda antes do escândalo por "viver no seu mundo de fantasia"; ou o detalhe de Dylan ter apontado inicialmente para o seu ombro quando um médico lhe perguntou onde o seu pai lhe tinha tocado.

Também ficou de fora o célebre cartão do Dia dos Namorados que Farrow mandou a Allen com a fotografia com todas as crianças apunhaladas com alfinetes e tesouradas, bem como a promessa que lhe terá alegadamente feito de "Levaste a minha filha e eu vou tirar a tua".

Outra crítica ao documentário é o contraste entre a imagem idílica da família Farrow que apresenta e o seu silêncio sobre o irmão de Mia condenado por pedofilia; a morte de três filhos de Mia (dois deles por suicídio); e a desvalorização das acusações de abuso contra ela feitas por outros dois filhos (Moses e a própria Soon-Yi).

O The Guardian revela que enviou uma lista detalhada das omissões aos realizadores, que optaram por uma declaração que solicitaram que fosse publicada na íntegra em vez de responder uma a uma.

"Os cineastas por detrás de ‘Allen v Farrow’ examinaram meticulosamente dezenas de milhares de páginas de documentos, incluindo transcrições judiciais, relatórios policiais, depoimentos de testemunhas oculares e registos de proteção de menores. Falámos com dezenas de pessoas envolvidas no caso que tiveram conhecimento direito dos acontecimentos e cujos testemunhos puderam ser corroborados de forma independente. ‘Allen v Farrow’ é uma apresentação completa, completa e precisa dos factos", escreveram Amy Ziering e Kirby Dick.

"Allen v Farrow" está em exibição na HBO Portugal, com novos episódios às segundas-feiras.