“Mantinha-me calmo e mentalmente são com essas tolices. Já não tinha pressa para nada na vida e podia sonhar à vontade, pois tinha tempo de sobra, já que as noites me pertenciam”, diz alegremente Knut Pedersen, a personagem principal de “Sob a Estrela do Outono”.

Não é certo que a vida num centro urbano da Noruega dos anos 1900 fosse das mais agitadas do mundo para padrões contemporâneos, mas foi precisamente para “denunciar” a agitação da cidade que Hamsun criou esta história - onde o referido Pedersen foge da agitação para procurar uma vida simples numa ilha escandinava.

Uma vez por lá, mete-se em trabalhos manuais, que não se importa de fazer (já os tinha feito antes), e gasta o seu dia a operar com um velho amigo obras diversas pelas vizinhanças do local. Infelizmente para ele, umas páginas a seguir dá-se a sensacional reviravolta, narrada não sem leveza e ironia por Hamsun:

“Tudo teria corrido às mil maravilhas não fosse pela filha do pastor, de quem gostava mais a cada dia que passava. Chamava-se Elischeba, Elisabeth. Para ser franco, não era uma beldade, mas tinha uma boca vermelha e uns olhos de menina que a tornavam atraente (...) já não era pequena - era, na verdade, tão alta quanto à mãe. E também herdara da mãe um peito volumoso…”

Mas não se tratava (apenas) de uma paixão física por uma Lolita a Nabokov, mas, tudo indica, amor a sério: “Mas que triste figura faz um homem de meia-idade quando se apaixona! E não deveria ser um exemplo de como encontrar a calma e a paz interior?”, lamenta-se ele.

De qualquer forma, esse é só o início da história, que se aprofunda por peripécias num mundo de quintas, florestas, estradas desertas e, importante, cemitérios - uma singular predileção do herói da trama. Apesar de ser uma obra com mais de um século, Hamsun não envereda pela densidade filosófica ou pelos exageros sentimentais, mas antes por uma narrativa não só povoada de reflexão como também de humor.