Cinquenta imagens a preto e branco do Portugal de 1968, durante a ditadura de Oliveira Salazar, e 50 fotografias a cores dos anos 2016-2019 compõem a exposição "Saudade/Portugal", de Neal Slavin, que vai ter entrada livre a 19 de agosto, Dia Mundial da Fotografia, avançou hoje à agência Lusa fonte da organização.

Na exposição "Saudade/Portugal", que fica patente na galeria do World of Wine, em Vila Nova de Gaia, até 31 de outubro, o visitante "não vai ver fotos de pessoas em guerra, mas vai ver imagens de um povo que vivia em submissão", explica Neal Slavin, numa declaração escrita que fez para a mostra.

"Não há imagens de militares, mas sim de divisão de classes e de obediência forçada de enorme magnitude", declarou Neal Slavin, com 81 anos de idade e que marcou presença na inauguração da sua exposição fotográfica e no lançamento da longa-metragem documental "Saudade: A love letter to Portugal".

Neal Slavin chegou a Portugal com 27 anos, em 1968, como bolseiro Fulbright para fotografar ruínas arqueológicas em Conímbriga.

No entanto, Slavin, filho de emigrantes judeus oriundos da Rússia, não conseguiu deixar de reparar no "pesadelo extremo da ditadura de Salazar" em que vivia o povo português.

Apesar de fotografar cidadãos ser "contra a vontade do Governo, e nalguns casos ilegal", Neal Slavin não resistiu a captar portugueses, fosse em Coimbra, no Portugal dos Pequenitos, no Santuário de Fátima, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, ou nos areais da Praia da Nazaré, onde captou as rugas de uma peixeira nazarena que "pareciam um mapa".

Em 2016, quando regressou a Portugal, Slavin revisitou o país para "tirar uma série de fotografias para comparar e contrastar com o que encontrou na sua primeira visita".

A exposição "Saudade/Portugal" apresenta 100 fotografias que partem da sua paixão por Portugal, refletida no livro que editou em 1971, "Portugal", e na longa-metragem documental que ultimou em Lisboa, "Saudade: A love letter to Portugal", com a colaboração de figuras portuguesas como Carlos do Carmo, Mariza e Nuno Gama.

Em 1990, a série "Portugal", editada originalmente com um texto da escritora norte-americana Mary McCarthy sobre o país, "Carta de Portugal", foi publicada pela Fundação de Serralves, num catálogo que acompanhava a respetiva exposição, inserida na então FotoPorto - Bienal de Fotografia, com curadoria de António Sena, da antiga galeria Ether.

Apenas algumas dessas fotografias, como António Sena então destacou, tinham sido mostradas em 1968, no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, impressas pelo próprio fotógrafo, numa câmara escura improvisada no seu quarto de hotel.

"A inexistência de um meio fotográfico", na altura, "não permitiu qualquer repercussão notória das suas fotografias", escreveu Sena.

Três anos mais tarde, em 1971, a edição internacional do livro, com o texto de Mary McCarthy, que visitara igualmente o país e fora confrontada pela propaganda do antigo Secretariado Nacional de Oliveira Salazar, revelava a miséria de uma ditadura que as autoridades tentavam apresentar como "benevolente", à escritora de "Pássaros da América".

Quando Mary McCarthy confrontou aquele que define como "o homem da propaganda", no seu texto, com a miséria que via para lá das lojas do Chiado, da Baixa e da Avenida da Liberdade, em Lisboa, teve como resposta: "Onde é que viu pessoas pobres?"

O texto de Mary McCarthy encontra-as em todo o lado: as barracas, em redor de Lisboa, as casas sem condições, por todo o lado, "os fatos terrivelmente coçados, remendados e emendados", as roupas nos estendais, "literalmente farrapos e trapos (...), camisas e roupa interior de espantalho".

Na Rua de São Bento, vira crianças seminuas e mulheres embrulhadas em camisolas "já todas rasgadas".

"Não percebe", respondeu-lhe o "homem da propaganda". "Essas mulheres são muito poupadas".

Para Mary McCarthy, uma das vozes que se levantou contra a Guerra do Vietname, nos EUA, "não ver, de facto, [fazia] parte do idílio português", que a propaganda de ditadura lhe tentara vender.

Algumas das fotografias de Neal Slavin, feitas em Portugal em 1968, foram adquiridas para a coleção nacional de fotografia da antiga Secretaria de Estado da Cultura, em 1989, por iniciativa de Jorge Calado, o seu primeiro responsável.

Neal Slavin já dirigiu William H. Macy, Laura Dern, Meat Loaf e David Paymer no cinema, e fotografou protagonistas do mundo do cinema e da música como Steven Spielberg, Harrison Ford, Barbara Streisand e Phil Collins.

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