'Se um dia alguém, perguntar por ele', poderemos dizer que foi o responsável pela primeira vitória de Portugal na Eurovisão, ao fim de 48 participações. Salvador Sobral celebra esta quinta-feira, 28 de dezembro, 28 anos, e é uma das personalidades que marcou 2018, tanto a nível nacional como internacional, somando várias distinções.
Esta semana, o canal Euronews nomeou as cinco personalidades da cultura que marcaram o ano. Salvador Sobral, vencedor do Festival Eurovisão da Canção, foi um dos escolhidos, a par com a cantora britânica Adele, o prémio Nobel da Literatura Kazuo Ishiguro, os realizadores Van Gogh Dorota Kobiela e Hugh Welchman e a artista Hito Steyerl.
No final do mês passado, Salvador Sobral foi anunciado como um dos premiados dos European Border Breakers Awards (EBBA), uma distinção para "artistas emergentes" que, nos últimos meses, tiveram sucesso na Europa.
Também a Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal (AIEP) elegeu Salvador Sobral como uma das personalidades do ano, a par com a sua irmã, Luísa Sobral. “Num ano em que Portugal conseguiu ocupar um lugar no mundo pelas notícias positivas - com a saída do défice excessivo, com a presença de portugueses no mais alto lugar das Nações Unidas e na direção do Eurogrupo, com a coragem dos bombeiros que lutaram contra as chamas em duas tragédias, houve, na opinião da imprensa estrangeira em Portugal duas pessoas que se destacaram”, sublinhou a associação fundada em 1978, referindo-se aos dois irmãos que deram a Portugal a primeira vitória na história da Eurovisão.
No último ano, a vida e a carreira de Salvador Sobral mudaram radicalmente. A vitória no Festival RTP da Canção, em março de 2017, com "Amar pelos dois", aconteceu contra todas as expectativas: entre uma eliminatória e a final foi sujeito a uma intervenção cirúrgica. A fragilidade estendeu-se à atuação em Kiev, com a irmã a substituí-lo nos primeiros ensaios, por motivos de saúde, como destacaram as agências internacionais de notícias, presentes na Eurovisão.
O resultado foi histórico para Portugal, mas não só: Até à vitória de Salvador Sobral, nunca nenhum outro país tinha vencido com uma pontuação tão alta. No total, somando as classificações atribuídas pelos jurados nacionais (382) e pelo público (376), "Amar pelos Dois" arrecadou 758 pontos.
"Amar pelos dois" venceu a 6 de março a final do Festival da Canção, que decorreu no Coliseu dos Recreios de Lisboa. Com esta canção, Portugal regressou, após um ano de ausência, ao Eurovisão, onde se estreou em 1964.
Depois de dar a Portugal a primeira vitória no festival, Salvador Sobral embarcou numa série de concertos de norte a sul do país. Pelo meio, já depois de ter ganhado o festival Eurovisão, o músico lançoua ainda o projeto Alexander Search, em parceria com o pianista Júlio Resende, em torno da poesia de um dos heterónimos de Fernando Pessoa.
Em setembro, Salvador anunciou que iria fazer uma pausa na carreira, por motivos de saúde e por tempo indeterminado. "Já não é segredo para ninguém que a minha saúde é frágil. Tenho um problema e chegou infelizmente a altura de me entregar - entregar, digamos, o meu corpo - à ciência e, consequentemente, ausentar-me da vida de concertos e de música no geral. Sair um bocado deste mundo dos civis e ir para um outro onde, certamente, este problema será resolvido. Infelizmente não sei quanto tempo vai demorar", explicou o músico nas redes sociais, agradecendo ainda todo o apoio dos fãs.
Depois de três meses de internamento, a 8 de dezembro, o cantor foi submetido a um transplante de coração no Hospital Santa Cruz, onde irá passar o dia de aniversário.
O vencedor do Festival Eurovisão da Canção abandonou os cuidados intensivos no passado domingo, 24 de dezembro. "Nesta época festiva partilhamos convosco notícias que nos alegram a todos: o Salvador Sobral já abandonou a Unidade de Cuidados Intensivos, encontrando-se agora nos Cuidados Intermédios”, revelou a assessoria do cantor em comunicado partilhado no Facebook.
No texto publicado nas redes sociais, a equipa de Salvador Sobral acrescentou ainda que a recuperação está a correr bem. "A sua recuperação, que será longa, continua a evoluir de forma muito positiva”, lê-se no comunicado.
"Agradecemos mais uma vez, todo o carinho, preocupação, boa energia e respeito que têm manifestado pelo Salvador e todos os que lhe são próximos", acrescenta o comunicado.
O gosto pelo jazz e um modo inquieto de estar na música
Salvador Sobral nasceu em Lisboa, em 1989, ouvia música desde criança e, numa entrevista ao El País, recordou as viagens em família, as canções partilhadas com os pais, dos Beatles, dos Genesis, de Simon & Garfunkel e John Lennon, sobretudo clássicos dos anos de 1960/70, e as harmonias feitas com a irmã.
O primeiro concurso de talentos surgiu na sua vida aos dez anos, um Bravo, Bravíssimo, na SIC, onde voltaria aos 18 anos, para o Ídolos. A experiência ficou para trás, dedicou-se a um curso de Psicologia e a um Erasmus em Maiorca. Para ganhar dinheiro, começou a cantar em bares. E foi aí que tudo mudou.
Descobriu Chet Baker, através de um guitarrista argentino com quem cantava: "Deslumbrou-me. Parecia uma angústia misturada com esperança, com melancolia, tudo numa só pessoa. Identifiquei-me totalmente com ele e com o seu estilo", disse na entrevista ao jornal espanhol El País, publicada no passado dia 16 abril.
O curso de Psicologia deu lugar ao de Música, e Maiorca a Barcelona, onde, em 2014, começou a atuar com a banda Noko Woi, com quem atuou no festival Sonar. Um ano mais tarde seria uma voz na programação dos festivais Mexefest e, no seguinte, entraria no Cool Jazz.
Na altura tinha já publicado "Excuse me", o álbum de estreia que chegou às lojas em março de 2016, com uma sonoridade marcada pelo jazz e pela pop.
O disco resume os gostos do cantor, as suas referências, entre as composições escritas por si mesmo, com Leo Aldrey, às quais juntou versões de "Autumn in New York", de Vernon Duke, um 'standard' do jazz, ou "Nem eu", de Dorival Caymmi.
O disco inclui igualmente "I might just stay away", canção escrita por Luísa Sobral, inspirada na obra do trompetista Chet Baker, uma das principais referências do cantor.
Em "Excuse me", Salvador Sobral surge em quarteto, acompanhado por Júlio Resende (piano), que coproduziu o disco, André Rosinha (contrabaixo) e Bruno Pedroso (bateria).
A simplicidade de "Amar pelos Dois"
Com a canção “Amar pelos Dois”, Portugal regressou à Eurovisão, onde se estreou em 1964, após um ano de ausência. A melhor classificação portuguesa no concurso era até hoje um sexto lugar em 1996, com a canção “O meu coração não tem cor”, interpretada por Lúcia Moniz. A última vez que Portugal competiu numa final do Festival Eurovisão da Canção foi em 2010.
Em entrevista à RTP3, Salvador Sobral revelou que Luísa Sobral, a sua irmã e compositora de "Amar Pelos Dois", escreveu duas canções para o Festival da Canção. "Mandou-me duas canções. Mandou-me esta e mandou-me outra e disse-me: esta remete mais às canções dos anos 1960 do Festival da Canção. E eu gostei sempre mais desta. E o meu pai disse 'esta é que é'. Não é tão festivaleira, mas esta é mais bonita", contou, sublinhando que o tema não o compromete. "Podia estar num disco meu ou dela. É uma coisa bonita, simples, genuína e espontânea. Tem tudo de bom esta canção", defende o músico de 27 anos.
"Amar pelos Dois" na imprensa internacional
De acordo com um estudo da Cision, em apenas três dias – 9, 10 e 11 de maio – o cantor de "Amar pelos dois" foi citado em 1.641 notícias em todo o mundo, contabilizando apenas os meios online e excluindo os artigos publicados em Portugal.
Segundo o estudo, foi na Alemanha que o cantor português conquistou mais atenções: no total, foi referenciado em 382 notícias, quase o dobro da Espanha, o segundo país onde Salvador foi mais falado. "Apesar de a maior parte das menções nos sites germânicos ter sido uma genérica alusão à sua passagem à final, houve alguns meios que aprofundaram a sua análise, descrevendo 'Amar pelos dois' como 'uma íntima balada, cheia de sentimento', que se tornou ainda 'mais melancólica e sensual' na voz do português", explica a Cision.
A canção composta por Luísa Sobral despertou a atenção do jornal El País. "De repente, acontece um milagre no mundo estereotipado da música televisiva", pode ler-se no início do artigo do diário espanhol, publicado a 16 de abril. O jornal espanhol frisa ainda que o" mundo previsível da música pop" precisa de mais artistas como Salvador Sobral.
O jornal The Sun também dedicou um artigo ao cantor português. "Parece que o talento corre na família de Salvador uma vez que a sua irmã, Luísa Sobral, também competiu na seleção nacional [do programa 'Ídolos'] tendo ficado em terceiro lugar na primeira semifinal", frisa a publicação, acrescentando que Portugal é um dos principais candidatos à vitória da Eurovisão.
Para o The Telegraph, o tema português foi um dos melhores em competição. "Há uma história interessante para a entrada bastante madura e sofisticada de Portugal este ano. Portugal, não vamos esquecer, nunca ganhou a competição, mas este ano eles são verdadeiros concorrentes", começa por frisar a jornalista Charlotte Runcie, do The Telegraph.
Na crónica sobre a primeira semifinal da Eurovisão, a jornalista defendeu que Portugal seria uma justo vencedor, apesar de fazer "batota". "Mandar uma canção artística e muito bem-feita à Eurovisão é, do ponto de vista técnico, fazer batota", gracejou.
O primeiro concerto de Salvador depois da Eurovisão
As Obras do Fidalgo, em Marco de Canaveses, foram o cenário do primeiro concerto de Salvador Sobral depois da vitória no Festival Eurovisão da Canção, a 13 de maio. O recinto do palacete do século XVIII inacabado, em Vila Boa de Quires, recebeu milhares de pessoas que quiseram ficar a conhecer melhor o cantor que fez sorrir Portugal.
"Change" e "Nada Que Esperar", temas do disco "Excuse Me", foram o arranque do concerto. Ao contrário do que diz a letra da primeira canção, muitas coisas mudaram na vida do cantor depois da vitória no festival. E Salvador revelou ter noção disso: "Nunca tinha atuado para tanta gente na minha vida. Porque é que será? Não sei qual será a razão, mas obrigado por terem vindo", disse.
Com o poema de Fernando Pessoa, musicado pelo pianista Júlio Resende, o cantor embalou as milhares de pessoas. "O amor, quando se revela, não se sabe revelar. Sabe bem olhar p'ra ela, mas não lhe sabe falar", cantou, ao seu estilo, Salvador Sobral, acertando de forma certeira com as palavras nos corações de todos os que se deixaram levar pela música.
A noite de primavera ganhou um toque especial quando se ouviram os primeiros acordes de "Amar pelos Dois", tema composto por Luísa Sobral e interpretado por Salvador no Festival Eurovisão da Canção.
"Se um dia alguém perguntar por mim/ Diz que vivi para te amar/ Antes de ti, só existi/ Cansado e sem nada para dar" (e por aí fora): Mais novos e mais velhos, mais ou menos afinados, toda a gente cantou, como se tudo tivesse sido previamente ensaiado.
O último concerto de Salvador Sobral antes do internamento
Salvador Sobral deu a 8 de setembro o seu último concerto. Durante o espetáculo, o cantor não escondeu as lágrimas e admitiu que estava a cantar com "um nó na garganta". "Não é fácil cantar com um nó na garganta constante", disse Salvador.
"Foi muito bom tudo o que aconteceu embora eu não tenha lidado bem com as coisas. Mas agora já estou em paz. Já digo aquelas coisas do 'mas você sabe com quem está a falar?'. Já abracei a vida de famoso”, disse o jovem músico.
Antes do concerto, foram distribuídos balões em forma de coração ao público. Estou sensibilizado com esta coisa dos corações(...) Vou receber todo o vosso amor e guardá-lo numa caixinha figurativa. Espero que caiba", disse o cantor, acrescentando, em tom de brincadeira, que "algum deles haverá de servir".
O cantor foi ainda surpreendido pela irmã, Luísa Sobral, que subiu a palco para um dueto em "Amar Pelos Dois". A meio da canção, Salvador Sobral abraçou a irmã e chorou nos seus ombros. "Chegou a hora do fim porque senão, de repente, já se torna um bocado vergonha alheia, um bocado deprimente. Obrigado por terem vindo a este concerto do até já", disse o músico.
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