Senhor Jorge é o nome da banda que juntou o viseense Jorge Novo, de 61 anos, a três jovens músicos: o teclista vimaranense Rui Souza, do projeto Dada Garbeck; o teclista portuense João Pedro Silva, do grupo The Lemon Lovers; e o multi-instrumentista Gonçalo Alegre do dueto Galo Cant'Às Duas, também de Viseu.

“O meu nome no fado é Jorge Novo, é assim que me conhecem, mas aqui com estes jovens e com este trabalho é o Senhor Jorge, porque eu podia ser pai deles, tenho uma filha mais velha do que eles, e acabou por ser o nome da banda”, contou à agência Lusa o fadista.

Um grupo que se juntou por acaso em 2018, na sequência de uma residência artística que Rui Souza fazia na Carmo’81 e que culminou com um espetáculo na Igreja da Misericórdia, “o monólogo com o órgão”, em que “o Rui tocou no órgão de tubos que está lá, do século XVIII, e uma atriz do Porto fez o monólogo”.

“Na noite da estreia, eles descobriram que eu cantava fado e pediram para cantar um pouco ‘a cappella’. Gostaram do meu timbre. Não sei o que é que eles viram, mas gostaram. Talvez pela minha maneira de ser, como estive uma semana com eles”, argumentou.

Nessa noite, continuou, “o Rui disse ao Nuno [Leocádio, da Carmo'81] que era uma boa ideia fazer uma residência com o senhor Jorge no Carmo’81” e assim nasce a sua “primeira residência artística”.

“Passei uma semana com eles a ensaiar fados tradicionais, mas em vez de ser com guitarra portuguesa e viola foi com piano, ‘beats’, contrabaixo e guitarra elétrica e sintetizador. Correu muito bem, porque nos demos muito bem”, considerou.

Jorge Novo admitiu que essa semana foi de “uma adaptação mútua”, os jovens músicos a adaptarem-se ao fado e o fadista aos instrumentos deles. No fim, acabaram a perguntar se no reportório não havia originais.

“Como eu disse que não, que cantava só fados tradicionais de outros autores, eles propuseram-se a fazer uns originais para o senhor Jorge”, explicou.

O primeiro concerto da banda acontece em finais de 2018, no Carmo’81, com fados tradicionais que habitualmente Jorge Novo cantava e, a 1 de abril de 2019, o Senhor Jorge regressa ao mesmo palco para o primeiro concerto de originais.

Assim nasce o primeiro trabalho discográfico a que Jorge Novo dá voz, Senhor Jorge nome da banda e do EP que conta com cinco originais e que a partir desta sexta-feira estão disponíveis gratuitamente em todas as plataformas digitais, com um EP físico a poder ser adquirido na Carmo’81.

“Cobertor” foi o primeiro single dado a conhecer, assim como o seu videoclip, agora passa a estar disponível “Palhaço” e pode ser ouvido “Tempo”, “A noite” e “Lembro-me de ti”, sendo este último tema uma dedicatória ao pai de Jorge Novo.

O pai de Jorge Novo, Armando Gomes, foi sacristão durante 37 anos na Sé de Viseu e na Igreja da Misericórdia, em frente à catedral. Na memória de Jorge está “a sua voz a cantar pela igreja abaixo, enquanto a fechava ou abria e atravessava para a Misericórdia”.

Do pai, herdou “a arte de sacristão, a doença de psoríase, e o dom da voz” e o tema “Lembro-me de ti” é uma música escrita por uma das suas irmãs, Maria João da Trindade, e a melodia é, em parte, da sua autoria.

“Foi a única que eu fiz. Comecei a cantarolar a melodia e os jovens músicos acabaram a fazer os arranjos. É a única, das cinco, que é uma composição conjunta, todas as outras são originais deles”, esclareceu.

O pai morreu há seis anos, “no dia em que fazia 82 de idade” e Jorge Novo confessou que “a revolta foi muito grande, por não poder ter convivido com ele nos últimos tempos”.

“Queria estar com ele, mas não me deixaram, tal como uma outra irmã. Partiram com uma bactéria e como sou um doente de risco não pude conviver com eles. Não me despedi. É como hoje, com a COVID-19, mas eu ainda tive o velório”, lembrou.

A pandemia não lhe roubou o velório do pai, mas “já alterou todo o sistema nervoso” do fadista que está “privado há mais de um ano de cantar com público”, à semelhança de todos os músicos pelo país.

“Cantar para o público, sentir o público e a sua energia, porque até posso por uma música ou outra no Facebook, para as cordas vocais aquecerem, mas não é a mesma coisa, é para o público que me sinto bem a cantar”, disse.

Acabaram-se “as noites de fados em casas de pasto e a presença assídua em angariações de fundos de instituições” viseenses que o costumam convidar para animar os saraus culturais e também as “idas regulares aos lares e centros de dias”.

“Foi aí percebi que Deus dá-nos em dobro o que nós damos. A alegria deles, os olhares, não se consegue explicar, é muito gratificante. Estou mortinho para que isto abra para que possa ir alegrá-los, porque as diretoras dizem que andam sempre a perguntar pelo senhor Jorge”, neste caso, o fadista a solo, que canta “o fado vadio que eles tanto gostam”.

Jorge Novo fez-se ouvir, pela primeira vez, “com 9 anos, na Igreja da Misericórdia, quando ajudava à missa” e a senhora que iniciou um “pequeno coro” para acompanhar a eucaristia o “ouviu cantarolar as músicas e convidou” para integrar o grupo coral.

“Isto até parece profecia, onde eu comecei, na Igreja da Misericórdia, foi onde eu vim a conhecer estes jovens e eu penso, como dizia Fernando Pessoa, ‘Deus quer, o Homem sonha e a obra nasce’”, citou, dizendo que é “sacristão e zelador” na igreja onde também conheceu os músicos.

Autodidata na vida e na música por “gosto e obrigação”, porque a artrite o obrigou a abandonar as aulas de piano Jorge Novo admitiu que, em relação à voz está “arrependido por não ter estudado canto” e, agora, não o vai fazer, “talvez por preguiça”.

Aos restantes elementos da banda Senhor Jorge os agradecimentos são muitos, assim como ao Nuno Leocádio da Carmo’81, “pela oportunidade de concretizar um sonho de criança, ter um CD gravado” que, apesar de não ser de fado tradicional, “como gostava, é um trabalho musical” de que se “orgulha”.

Para mostrar o quanto se sente “realizado”, acabou a cantar, tal como foi fazendo ao longo da conversa com a agência Lusa, e soltou “um fado cigano” que diz fazer parte do seu reportório, com letra de Jorge Fernando, e que acaba assim: “Parto com a alma a sorrir, deixando por testamento, minha voz para todos vós”.