“O Arquivo Sonoro Digital foi desenvolvido no quadro do Plano de Salvaguarda inerente à inscrição do Fado na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, e trata-se de um importante projeto de proteção, estudo e valorização do património fonográfico português, e todo o programa foi desenvolvido em conformidade com as normas e protocolos da International Association of Sound and Audiovisual Archives [IASA]”, disse a responsável.

Sara Pereira afirmou que o “acesso é livre” e as gravações “devidamente tratadas e digitalizadas” situam-se, cronologicamente, entre 1900 e 1950, sendo “cerca de metade de ainda antes da gravação elétrica, isto é anterior a 1927”.

Os discos online foram publicados por 43 companhias fonográficas, “sendo o maior catálogo o da alemã Odeon (974) seguido da inglesa Columbia (964)”. “Cerca de 1.531 discos foram gravados acusticamente, isto é, [são] anteriores a 1927, e 1.217, em gravações elétricas”, adiantou à Lusa.

O Arquivo Sonoro Digital “inclui discos do Museu, da coleção Bruce Bastin, adquirida pelo Estado português em 2009, e incluirá, no futuro, repertórios na posse de outras instituições que se queiram associar a nós [Museu do Fado]”.

Sara Pereira estima que, entre arquivos, museus e colecionadores particulares, existem 30.000 repertórios de fado, “e a ideia é que todo esse inventário seja inserido no Arquivo Sonoro”.

Entre as vozes que será possível ouvir está a da Júlia Florista, uma das figuras lendárias da história fadista, mas as primeiras gravações são dominadas por atores do teatro de revista, segundo Sara Pereira.

“Encontrámos 62 repertórios interpretados pela famosa Júlia Mendes e 12 faixas de Maria Vitória, e ainda vários discos da famosa Júlia Florista ou de Manassés de Lacerda, e ainda gravações de importantes guitarristas como Petroline, Carmo Dias, Armandinho ou Artur Paredes”.

As 3.000 gravações, segundo dados disponibilizados por Sara Pereira, representam 529 intérpretes e 948 pessoas diretamente envolvidas, entre compositores, instrumentistas, letristas, orquestras, maestros, etc..

"Os mais gravados terão sido os atores Duarte Silva [633 gravações], Isabel Costa [484], Jorge Bastos [316], Avelino Baptista [193], Rodrigues Vieira [196] e Reinaldo Varela [150], intérpretes que regularmente se cruzaram em duetos”, disse à Lusa.

As gravações foram efetuadas em Paris, Berlim, Rio de Janeiro, Lisboa e Porto.

“O processo de construção do arquivo contemplou as fases de inventariação, tratamento arquivístico - limpeza física dos discos, acondicionamento, registo fonográfico -, digitalização e restauro, com produção de cópias de acesso e, muitas vezes, incluindo um restauro profundo, documentação e sistematização em base de dados especificamente construída para o efeito”, numa parceria do Museu com o Instituto de Etnomusicologia da Universidade de Lisboa, que é dirigido por Salwa Castelo-Branco.

Cada uma das gravações digitalizada é acompanhada de uma ficha técnica que identifica cada um dos participantes. A diretora do Museu promete que haverá “surpresas” e acredita que irá proporcionar um maior interesse por parte dos investigadores.

O Museu apresenta, também na sexta-feira, a sua chancela discográfica, que visa “apoiar os artistas, ser um cartão de visita para os fadistas que têm talento, mas não chegam às discográficas, um disco com o qual se possam afirmar dentro e fora de portas”.

A responsável ressalvou que esta etiqueta “não se destina apenas a novos talentos, é transversal em termos de gerações, e visa também editar gravações históricas”

O primeiro disco é do guitarrista José Manuel Neto, o que, segundo Sara Pereira, “coloca desde já a fasquia muito alta, mas é indiscutivelmente um virtuoso”.

A coordenação desta etiqueta será feita pelo Museu do Fado, adiantou à Lusa, “mas trabalhando muito de perto com a comunidade artística e, tanto quanto possível, com a universidade, nomeadamente gravações ao vivo no Museu, com alunos de sonoplastia, que vêm aprender as boas práticas de gravação”.