Para textos publicados nos anos 1950 (a maioria deles em 1953, dois anos antes da obra-prima “Pedro Páramo”), impressiona a acutilância da escrita e a modernidade temática de um autor que mergulha sem grandes travos morais no universo da pobreza rural do México destes tempos.

Assim, há assassinos que narram os seus crimes na primeira pessoa: estes surgem surpreendentes no meio de uma narrativa seca envolta numa aura de “normalidade” – obviamente lembrando que Rulfo faz parte do fantástico latino-americano. Mas, ao contrário de Jorge Luís Borges, por exemplo, que ocasionalmente relatava histórias de bandidos, o autor mexicano consegue criar, talvez pelo uso da primeira pessoa, personagens mais perversas e amorais - mas ao mesmo tempo humanas.

“Talpa”, por exemplo, é arrepiante. A história é narrada por um homem que se apaixona pela mulher do irmão. Ocorre que este era acometido por uma terrível doença que lhe empestava o corpo, como na descrição que faz - “... tendo aquele corpo peçonhento, cheio por dentro de água apodrecida (...) deixarem sair aos borbulhões um cheiro de qualquer coisa estragada…”.

Os dois apaixonados não se furtam então em arrastá-lo cada vez mais sem forças por centenas de quilómetros (à cidade de Talpa do título) para que ele tentasse a cura através de um milagre diante da Virgem de Talpa – embora admitindo que o desejo de ambos era matá-lo por exaustão.

Já noutra história (“É que Somos muito Pobres”) entre o surreal e o humor (muito) negro, o drama dá-se a partir de uma vaca arrastada numa enchente e que era a única esperança de uma família muito pobre de que a filha mais nova não se tornasse prostituta como as mais velhas.

Quando outro dos gigantes da literatura latino-americana, Gabriel García Márquez, diz que “a descoberta de Juan Rulfo será, sem sombra de dúvida, um capítulo essencial das minhas memórias”, certamente não se trata de mera hipérbole.

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