“Francis Smith. Em Busca do Tempo Perdido”, título que remete para o universo de Marcel Proust, é a primeira exposição realizada no contexto de uma investigação de fundo à vida e obra do pintor nascido em Lisboa, em 1881, mas que emigrou para Paris, nos primeiros anos do século XX, onde morreu em 1961.

Esta exposição, que ficará patente ao público ao longo deste verão, de 10 de junho a 03 de outubro, junta-se a "Meu Amigo - Obras e Documentos da Coleção de Ernesto de Sousa (1921-1988)", outra das principais manifestações da atual programação do Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado (MNAC), integrada no conjunto de eventos ligados à comemoração do centenário do artista, investigador, curador e crítico, inaugurada no passado dia 18 de maio, e que poderá ser vista até 26 de setembro.

Francisco Smith (1881-1961), que viria a adotar o nome Francis, nasceu em Portugal, descendente de uma família inglesa, e estudou em Paris, onde se fixou em 1907. Aí conheceu outros artistas portugueses como Eduardo Viana, Emérico Nunes e Amadeo de Souza-Cardoso, aí se casou com a escultora Yvonne Mortier e aí adquiriu a cidadania francesa, dedicando-se, porém, a pintar Lisboa, a sua cidade natal, em enquadramentos de bairros típicos, apoiado na memória e numa corrente modernista que era a sua.

Foi na capital francesa que "desenvolveu uma prestigiada carreira artística, participando com sucesso crítico e comercial nos mais importantes circuitos expositivos parisienses da época, tornando-se o criador português com maior presença no panorama cultural francês da primeira metade do século XX", escreve o curador da mostra, Jorge Costa, contrapondo porém que, na história da arte nacional, a pintura de Francis Smith "foi sucessivamente remetida a um lugar menor, acusando-lhe ingenuidade e, no seu gosto pelo registo figurativo, uma colagem à visão de postal ilustrado do Estado Novo".

Reduzido "a uma imagem de pintor da 'saudade portuguesa', a sua obra apresenta, contudo, aspetos bem mais interessantes e artisticamente informados", prossegue o curador, no texto de apresentação da mostra, publicado na página do MNAC, no Facebook.

"Com uma perspetiva intimista, a sua pintura reflete, sim, um certo sentimentalismo de emigrado, mantendo uma memória cristalizada e nostálgica de um Portugal popular. Porém, essa memória mescla-se com o quotidiano da vida moderna francesa. A sua própria nostalgia manifesta o conhecimento da escrita e do pensamento de Marcel Proust, o escritor que se debruçou sobre os mecanismos da memória, delineando, num sensível registo memorialístico, o que poderemos designar como uma 'busca do tempo perdido' em pintura. Conjugando aspetos da modernidade com uma visão do mundo pessoal, Smith é propositadamente 'ingénuo', procurando a pureza da visão infantil, na consciência de que cada um tem a sua perceção do tempo e da memória", escreve Jorge Costa.

A conservadora e investigadora do MNAC Maria Aires Silveira, no 'site' do museu, por seu lado, sublinha igualmente esta "pintura de memórias de Lisboa, em enquadramentos seriais de bairros típicos, expressivamente modernista".

"As suas crónicas de recantos lisboetas e cenas populares, repetidamente descritas e obsessivamente lembradas, contrariando a permanente ausência do seu país, transmitem sentimentos de saudade e inocência, em imagens de uma cidade idílica que atravessa tranquilamente um período agitado de crises sociais e políticas europeias. Nas suas representações de Lisboa, nas escadarias, parques, jardins, surge frequentemente uma figura masculina, recordação emotiva do pai, procurando uma ingénua qualidade cénica na visão lírica dos seus apontamentos, perdidos no tempo e num espaço sentimental", escreve Aires Silveira.

"Amigo de Marcel Proust, afirma-se na Exposição Livre, de 1911, marco do Modernismo português. Espírito independente, saudoso de vivências bairristas lisboetas, revela referências francesas e um universo íntimo numa linguagem modernista e nacional. Expõe pouco e, a partir da década de 1930, introduz as suas obras" nos 'Salons': 'Peintres Témoins de leur Temps', 'des Indépendants', 'd’Automne', 'des Tuilleries', 'de la Peinture à l’Eau et du Dessin', 'des Comparaisons d’Asnières', 'des Grands et les Jeunes d’Aujourd’hui'", sublinha.

Em 1963, dois anos após a morte do pintor, a Association des Amis de Francis Smith, formada em 1962, organizou uma exposição retrospetiva da sua obra no Musée Galliéra, em Paris, passando a atribuir, anualmente, um Prémio Smith.

Na exposição “Francis Smith. Em Busca do Tempo Perdido”, garante Jorge Costa, é demonstrada que a aposta "no registo figurativo do seu tempo reflete o envolvimento social com os seus temas, unindo a cultura letrada à popular e fazendo uma pessoal síntese entre centro e periferia, ou entre Paris e o seu Portugal longínquo".

Esta exposição realiza-se no contexto do protocolo MNAC, com o Instituto de História da Arte, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e a Fundação Millennium bcp, para a investigação da pintura portuguesa dos séculos XIX-XX.

Quanto a "Meu Amigo - Obras e Documentos da Coleção de Ernesto de Sousa (1921-1988)", dedicada a "uma das mais relevantes personalidades da contemporaneidade portuguesa", como escreve o MNAC, é um projeto organizado por Isabel Alves, que se tem dedicado à preservação e divulgação do legado do artista.

A exposição cruza documentação (correspondência, publicações, projetos) e obras de arte que foram oferecidas a Ernesto de Sousa, ao longo da sua vida, por alguns dos mais relevantes artistas nacionais e estrangeiros, entre as décadas de 1940 e 1980.

"Este diálogo entre o documental e a obra de arte" permite construir "um itinerário multifacetado e heterogéneo do seu percurso estético e das suas afinidades, reafirmando o caráter de colaboração que sempre norteou a sua ação”, indica a curadora Emília Tavares.

"Ernesto de Sousa foi decisivo para a internacionalização da arte e dos artistas portugueses, ao mesmo tempo que manteve uma atualização e divulgação permanente do panorama artístico internacional. A referência estética, artística e histórica da sua obra continua a ser atuante e atual, inspirando novas gerações de vários quadrantes, reafirmando o caráter inovador e contemporâneo do seu legado", conclui a curadora.

A exposição dedicada a Ernesto de Sousa reúne 124 obras, de 62 artistas, entre pintura, desenho, gravura, escultura, fotografia, objetos e documentação diversa, organizadas em sete núcleos expositivos: "Meu Amigo", "Anos 70 – Arte e Revolução", "Neorrealismo – Uma Estética de Oposição", "Almada, um nome de Guerra", "Fluxus – aproximar a arte e a vida", numa referência ao movimento multidisciplinar em que se inscreveu, e "Alternativa Zero, 1977", enquadrado pela grande mostra da arte portuguesa contemporânea que organizou em 1977, culminando o percurso em !Anos 80 e 90 – Ser Moderno em Portugal".

Até 26 de setembro, o MNAC acolhe também uma terceira exposição temporária, “Herança”, de Ana Vidigal e Nuno Nunes-Ferreira, com curadoria de Emília Ferreira, investigadora e diretora do museu.

A mostra realiza-se no ano em que se assinalam os 60 anos do início da Guerra Colonial, e "revela parte de dois arquivos pessoais, duas heranças de dois artistas cujos pais tomaram parte nesse momento traumático da história, que colocou Portugal num conflito armado com outros países, então suas colónias".

A exposição vai contar com uma publicação, realizada numa parceria entre o MNAC e a Documenta, com ensaios de Emília Ferreira, da historiadora Irene Flunser Pimentel e do curador e investigador Raphael Fonseca.

"Olhares Modernos. O Retrato em Pintura, Escultura, Desenho (1910-1950)", um "cruzamento de olhares" sobre a coleção do MNAC, e "o gosto por enquadramentos pictóricos", com curadoria de Maria de Aires Silveira, também ficará patente até 30 de setembro.

Dentro das iniciativas do museu, encontra-se ainda a exposição “O MNAC no Centro da Sua Vida”, desta vez no Centro Colombo, que assinala os 110 anos da instituição dedicada à arte contemporânea.

No primeiro piso do centro comercial, em Benfica, estão expostas cinco obras da coleção do MNAC, como “No Tejo, Marinha, c.”, de João Vaz, e “Superfície-4”, de João Pires Vieira, cobrindo diferentes épocas da coleção do museu, desde 1850 até aos dias de hoje.

No Colombo, as obras podem ser vistas até 27 de junho, no horário do centro comercial, numa altura em que este espaço assinala dez anos da iniciativa "A Arte Chegou Ao Colombo".