Liliane Marise, a “cantora do povo”, não conseguiu povoar nem metade do Meo Arena no concerto do último sábado. É refrescante saber que nem todos os golpes comerciais da TVI furam recordes.

Entramos na sala e vemos um palco todo enfeitado, com o mais piroso que há - propositadamente -, onde há um pórtico e escadas. É dia de entrar muita gente em palco, porque a Liliane Marise por si não entretém mais do que meia hora, e de se apostar nas coreografias, já que da música não há que esperar grandes surpresas.

Para ser um concerto, faltou uma artista musical na verdadeira acepção. Para ser um arraial pimba, faltaram muitas mais coisas: grelhadores e frangos a assar, o crepitar do óleo das farturas, cerveja a chegar de todo o lado, o gesto quente dos emigrantes e um ambiente que o Meo Arena nunca conseguirá criar. Enfim, faltava verão. Não houve qualquer instrumento musical em cima do palco. É que nem um organista. E mesmo a voz, lá para o fim, também sucumbiu ao playback.

Porque o pimba é mais delicado do que aparenta, cá vai uma declaração de interesses: é natural que poucos foram ver Liliane Marise por gostarem genuinamente das suas músicas ou reconhecerem em Maria João Bastos uma voz de excelência. Mas pedia-se um espectáculo divertido, descompressor e que trouxesse mais do que a ridicularização e a insistência nos estereótipos.

Não trouxe. O principal investimento no show foi para os bailarinos, mas, à imagem de outras produções do canal, a lógica foi a de rapazes de boxers e raparigas de perna bem à mostra e movimentos ousados, numa constante tensão sexual que as muitas crianças que foram ver Liliane Marise certamente dispensariam.

Houve um medley de Ágata, houve adaptações de músicas como “Piradinha”, Eu sou aquele”,  “Tenho dois amores” ou “Single ladies”, tudo com alguma piada, e houve convidados especiais. João Paulo Rodrigues cantou e brindou o público com o seu humor fanfarrão, que para o caso até cumpre. Ruth Marlene e Ana Malhoa assinaram, sinceramente, os melhores momentos da noite.

A explicação é simples: há uma diferença bastante substancial entre quem age embrulhado por uma personagem fictícia e quem canta as suas próprias músicas com orgulho. E as duas artistas convidadas, goste-se ou não, foram eficazes no número. “Sube la temperatura” de Ana Malhoa, com Liliane Marise nos bastidores, fez mais sentido do que grande parte do espectáculo.

Moisés, personagem interpretada por Pedro Teixeira, também marcou presença. Fiel à sua prestação na novela, só manchou o pano quando foi chamado a cantar “És uma pita”, em que muitas vezes o 'i' soou mais grave do que se esperava – ou então foi só resultado da acústica de uma sala despida. Alguma vergonha alheia nesses minutos.

Antes do final, tempo ainda para a projecção de alguns vídeos sobre Liliane Marise e Moisés, um deles do casamento da tia com o sobrinho. Entre tantos fatos, adereços e cenários, são sempre bem-vindos uns minutinhos para os protagonistas respirarem. Grande parte do público é que já está há mais de duas horas no Meo Arena, mas os gritos mantém o volume e ainda há tempo para mais: Maria João Bastos é "surpreendida" pela sua sobrinha, que lhe entrega um ramo, e caem as primeiras lágrimas - êxtase total. Tentando adensar a noite e fazer esquecer o quão pindéricos foram os minutos que passaram, ainda cantou uma versão frouxa de "Chamar a Música", que certamente deixou Sara Tavares às voltas no sofá.

"Pancadinhas de amor" e "Mala Chique" tiveram direito a dose dupla: a primeira já tinha sido tocada no início do concerto; a da feira de Carcavelos foi cantada duas vezes seguidas, uma delas com a vencedora de um concurso em palco. Depois disso, mais lágrimas: agora, para provar que são sinceras, são assinadas por Maria João Bastos e não pela personagem. Realmente, é de ir às lágrimas saber que, depois de tantos papelões, nunca na sua carreira tinha tido tanto reconhecimento como agora. Nem na série "Equador". "Já a seguir, encontramo-nos para os autógrafos".

A TVI fez nascer a Liliane Marise como sátira ao costume popular e, imbuídos num sentimento de superioridade (porque só os outros é que vibram com as coisas pirosas), os portugueses alinharam - entretanto, os refrãos prenderam-se ao ouvido e caíram na teia. Felizmente, será um sucesso tão grande quanto perene, porque daqui a dois anos ninguém se lembra disto.