Este auto de Gil Vicente, de 1521, representado ao rei Manuel I aquando da partida da infanta Beatriz, para se juntar ao marido, em Saboia, será também apresentado no CCB, nos dias 5 e 6 de janeiro, numa ópera com encenação e adaptação dramatúrgica de Ricardo Neves-Neves e música de Filipe Raposo.

A nova produção é a primeira resultante do Laboratório de Ópera Portuguesa, criado pelo CCB em parceria com o Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical (CESEM) da Faculdade de Ciências Sociais de Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL) e a Academia Portuguesa de Artes Musicais (APARM).

“Tendo nascido o Laboratório de Ópera Portuguesa da necessidade sentida de aproximar o grande público de uma parte importante da sua herança histórica comum, neste caso, a produção dramática musical feita em Portugal no decurso do tempo, considerou-se, desde o primeiro momento, essencial a criação simultânea de um fórum de discussão e apresentação de novos estudos relacionados e complementares a cada título trabalhado”, explicam os organizadores.

Nesse âmbito, realiza-se, no dia 4 de fevereiro, um colóquio internacional, que começa de manhã com uma intervenção do compositor, musicólogo e gestor cultural Edward Ayres de Abreu, sobre as diversas facetas de Gil Vicente como fonte primeira de criações musicais e musico dramáticas, com o levantamento e a categorização das obras identificadas.

O investigador de música antiga Nuno Raimundo abordará os contributos da obra de Gil Vicente para a História da Música em Portugal, enquanto ao musicólogo Manuel Morais caberá falar sobre a música para as peças de Gil Vicente estreadas em Évora.

O segundo painel contará com intervenções do investigador e professor em Estudos Teatrais José Camões sobre a arte teatral de Gil Vicente, e o triunfo da palavra e das imagens, e da também investigadora e professora Esperança Cardeira sobre a língua de Gil Vicente.

A fechar o mesmo painel, a professora emérita da Universidade Autónoma de Barcelona, onde foi responsável pela cátedra de Música Antiga, vai debruçar-se sobre as interligações entre Gil Vicente, Mateo Flecha e Diego Sánchez de Badajoz, na perspetiva da música e da cena.

O painel da tarde começa com uma preleção da professora de Ciências Musicais da NOVA Luísa Cymbron, sobre Gil Vicente, Garrett e a tentativa de criação de uma ópera nacional portuguesa no século XIX, recorrendo ao caso de "Beatriz de Portugal", de Francisco de Sá Noronha.

A também especialista em ciências musicais Luísa Gomes vai abordar o tema da inspiração vicentina nas comemorações do teatro português, incidindo em particular na farsa lírica “Tição Negro”, criada a partir de temas e personagens vicentinos, e que teve a sua estreia em 1902.

A última intervenção do colóquio caberá a Jenny Silvestre, da Academia Portuguesa de Artes Musicais e do Laboratório de Ópera, e incidirá especificamente sobre Gil Vicente, “Cortes de Júpiter” e os 500 anos desta obra, pretendendo explicar o trabalho de reconstrução e adaptação realizado para as récitas dos dias 5 e 6 de fevereiro.

O ano de 2021 marcou os 500 anos desta tragicomédia vicentina, apresentada em agosto de 1521 ao rei Manuel I, e que foi a última obra daquele dramaturgo a que o rei conhecido como “o venturoso” assistiu, já que viria a morrer em dezembro desse mesmo ano.

“Muito embora pareça ter caído um pouco no esquecimento, ou pelo menos adormecida, trata-se de uma das mais importantes obras do acervo vicentino. Por um lado, serviu de fonte de inspiração para ‘Um auto de Gil Vicente’, de Almeida Garrett, enredo com o qual se deu, em 1838, a fundação do moderno teatro português. Por outro, ‘Cortes de Júpiter’ encerra alguns dos mais importantes títulos musicais da época dos quais ainda dispomos de fontes”, explica Jenny Silvestre, citada no texto da programação.

A qualidade e comicidade do enredo, bem como a oportunidade que proporciona de associar ao elemento histórico o engenho e espírito criativo atual, na reconstrução assumidamente contemporânea dos momentos musicais que se perderam, são as justificações apontadas pelos organizadores para a escolha desta obra como título inaugural do Laboratório de Ópera Portuguesa do CCB.

“Mas não só. Aproveitamos os 500 anos desta tragicomédia vicentina como pretexto ideal para desafiar os especialistas a discutir sobre o que entendemos ser o importantíssimo papel que o acervo vicentino desempenha no desenvolvimento do drama em música na Península Ibérica, sem nenhuma inferioridade em relação a vultos como Juan Del Encina, ou outros”, esclarece Jenny Silvestre.

De acordo com a coordenadora artística e musicológica do Laboratório de Ópera, as recorrentes referências nas obras de Gil Vicente a momentos musicais “colocam a sua obra no patamar de modelo embrionário da posterior zarzuela, fenómeno ibérico ainda hoje tão popular”.

O auto vicentino “Cortes de Júpiter” é uma comédia que desenvolve o tema da viagem da infanta Beatriz, filha de Manuel I, conjugando canções e dança com diálogos.

As personagens são Providência, Júpiter, Quatro Ventos, Mar, Sol, Lua, Vénus, Marte e uma Moura Encantada.

Após o discurso da Providência, Júpiter, rei dos elementos, convoca as cortes e concerta planetas e signos para favorecerem a viagem.

Reunidos, os deuses decidem proteger a frota que conduzirá Beatriz ao seu novo país, e os habitantes de Lisboa e os membros da corte transformam-se em peixes que escoltam os navios até ao alto mar.

Com direção científica do musicólogo e compositor Manuel Pedro Ferreira, presidente do CESEM, e de Luísa Cymbron, o colóquio “Gil Vicente: 500 anos” vai decorrer na sala Lopes-Graça.