O SAPO On The Hop foi ter com Luís Nunes - provavelmente, conhecem-no melhor como Walter Benjamin ou apenas Benjamim - para falar da história deste cantautor que, aos poucos, se vai afirmando a nível nacional. Numa esplanada no Jardim da Estrela, conversámos, entre cigarros enrolados e cafés já vazios, do que o fez sair, do que o fez voltar e do novo disco, "Auto Rádio".
SAPO On The Hop - Explica-me como é que surgiu em ti a ideia de estudares antropologia e que implicações esse curso acabou por ter na tua carreira musical.
Benjamim - [risos] Boa pergunta, por acaso!.. Como é que surgiu a ideia de estudar antropologia? Bem, eu precisava de ir para a faculdade depois de terminado o 12º ano - sempre quis fazer música, mas achei que precisava de uma formação fora disso - e acho que a experiência universitária acaba por ser muito importante para qualquer pessoa. Depois, acho também importante que não sejas apenas uma coisa: um músico não pode ser só músico; se escreves canções, tens também de saber outras coisas, não podes ser uma pessoa presa no mundo (nesta fase, ainda académico) da música. Portanto, e retomando, eu sempre soube que queria tirar um curso. Não sabia muito bem qual. Os meus pais, por exemplo, queriam que fosse para Direito. Felizmente, não consegui entrar! [risos de ambas as partes] Felizmente, mesmo. Acho que a antropologia acabou por salvar-me a vida; entrar neste curso era uma das minhas opções e acho que foi uma licenciatura que mudou muito a minha maneira de ver o mundo, permitindo-me conciliar a faculdade com a criação de música. Se tivesse ido para Direito...
Não ias ter tempo?
Não, não! Eu conheço-me bem. O que provavelmente iria acontecer era eu começar a chumbar [mais risos], porque eu não ia desistir da música e ia acabar por colocar o curso de parte. Mas a antropologia acaba por ser, mais ou menos, um feliz acidente: era uma área que me interessava e foi super importante - até porque é uma área que mexe com tudo.
Depois de terminada a tua licenciatura, acabaste por partir para o Reino Unido. Essa mudança de ares deu-se por alguma razão em especial?
Sim, eu queria estudar Engenharia do Som. Era algo que eu queria há já bastante tempo. E, na altura, mesmo durante o curso e algum tempo depois, estava a dar aulas de música. Ao segundo ano neste emprego, percebi que não queria ter um terceiro, um quarto, um quinto, um sexto ano naquilo. Então, achei que precisava de mudar alguma coisa - entendi que era necessária uma mudança muito substancial; precisava de aprender mais, viver mais e ter novas experiências porque era facílimo ficar preso numa coisa que não era exatamente o que queria fazer.
Tinha um sonho de "puto", o de ir para Londres. Um daqueles sonhos meio parolos que se tem quando se é mais novo. Queria, como já disse, estudar Engenharia do Som; sempre fui um gajo apaixonado pelo som, portanto, mandei-me lá para fora, onde estive durante quatro anos. Isto antes da grande vaga de emigração para o Reino Unido, que ocorreu coisa de dois anos depois da minha ida.
Sei que o teu primeiro grande projeto teve o nome de um filósofo (Walter Benjamin). Porquê?
Porque lhe roubei o nome. Estava numa aula de antropologia - Antropologia do Espaço -, onde se falava muito desse filósofo. Dele e de Simmel. E da primeira vez que ouvi o nome, tendo em conta que andava à procura de um nome para aquilo que andava a fazer, gostei do som. Walter Benjamin [leia-se, aqui, com sotaque britânico]. Nem sequer se diz assim, porque ele é alemão, mas aquela maneira anglo-saxónica de dizer o nome cativou-me imenso e, por mero acaso, nesse mesmo dia - e atenção que isto não é mentira -, fui à feira do livro e o primeiro livro que vejo de uma pilha de inúmeros é, justamente, O Passageiro Walter Benjamin (de Ricardo Cano Gaviria) e comprei-o. Tinha de ser aquilo, era um sinal.
Estive a ouvir um pouco das tuas soundclouds e reparei que Walter Benjamin, em comparação com Benjamim, tinha um som mais escuro e depressivo. Tem algo a ver com o período em que estiveste em Londres?
Teve a influência da fase... Não obrigatoriamente por estar em Londres, acho que era o disco que, naquela altura, eu precisava de escrever. Era aquilo. Era, se calhar, mais sombrio. E este último é um disco completamente diferente porque são fases quase opostas da minha vida. Claro que Londres teve influência (em The Imaginary Life of Rosemary and Me) e Portugal teve grande influência (em Auto Rádio). Também teve a ver com o momento em que estava enquanto fiz cada um [dos discos].
Sob este novo nome - Benjamim, muito tipicamente português -, mantiveste a banda que te acompanhava anteriormente, voltaste à terra-mãe e alteraste um pouco o teu estilo. O que é que motivou essa mudança?
Quis começar a escrever canções em português. Comecei a refletir sobre o porquê de cantar em inglês e não em português. Sentia a necessidade de me exprimir em português porque queria falar sobre coisas impossíveis de expressar em inglês e, portanto, tive de mudar a maneira como olhava para a música e a a maneira como olhava para a minha própria escrita e isso, obviamente, mudou completamente as canções: as métricas são diferentes, os temas são diferentes, logo, a música nunca vai ser igual. Depois, mudei-me para Portugal. O maior fator foi mesmo querer fazer as canções em português e fazia todo o sentido fazê-lo aqui mas, no fundo, acho que a geração precisa de canções e eu sou um dos que as podem fazer. Não estou a dizer com isto que não há pessoas a escrever música para a nossa geração - até porque acho que há muitos - mas quero dar o meu contributo.
Como qualquer artista, suponho que tires inspiração de algumas lendas ou de ídolos. Consegui ouvir, em Auto Rádio, algumas influências de Chico Buarque e Bob Dylan, não sei se estou certo...
Sim, claro!
De que modo é que acabaste por incorporá-los na tua música?
O Dylan é uma referência que é obrigatória para mim desde puto. Ele é aquela revelação - para muitos músicos, acho que não sou o único - de que tens um gajo a tocar guitarra, a fazer canções simples mas perfeitas; a tocar harmónica desafinada, uma cena que acabamos por estranhar. Parece que existe algo que não bate tão certo... e depois a voz dele, que é um bocado desconcertante - isto, quando novinhos e pouco entendedores de música. Tem aquele lado que, à partida, parece simplista mas que, na verdade, é muito mais complexo que isso. Ele é, realmente, um dos grandes pioneiros - havendo muitos antes dele, mas isto é a minha opinião pessoal - e fundadores da canção moderna e, portanto, é uma grande influência. Foi ele que me fez acreditar que era possível escrever canções com três acordes e aquele ter um impacto enorme.
Falas do Chico Buarque... Sou um fã dele. Quando estava a fazer este último disco, passei muito tempo à procura de referências que estivessem de alguma forma ligadas a Portugal e à nossa cultura. Obviamente que o Brasil é bastante chegado a nós. Há uma "malha" no disco, Mutantes, tem aquele lado tropical que vem de lá e o Chico é uma referência obrigatória do Brasil e, claro, da canção. Ele é incrível. Nós até fizemos uma brincadeira na música Auto Rádio: pusemos uns sopros lá no meio, que são uma referência à construção do Chico Buarque e aquilo surgiu porque a música tinha aquele lado meio brasileiro... Meio bossa, mas não era bem. E nós achámos piada e tornámos aquilo numa referência demasiado óbvia. Isto porque este é um disco de exploração. Estou a aprender a escrever em português, estou a disparar para muitos lados, o disco tem muitas sonoridades diferentes e, às vezes, fica engraçado nós "chaparmos" ali coisas. O disco é uma viagem - chama-se Auto Rádio por isso mesmo - e vais passando por vários sítios com os sons distintos. Aquela referência está ali, está assumida e leva-te para aquele sítio.
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