"Era um cristão. Ele pôs de lado as suas funções, porque havia princípios e valores superiores. Ele fez o contrário da matriz de um diplomata normal. Os diplomatas são formados numa cultura em que a política é o mais importante, com um certo cinismo, já que eles representam a defesa dos interesses do Estado", disse Catherine Nicault, co-comissária da exposição "Os diplomatas face à Shoah", em declarações à agência Lusa.

A historiadora e professora da Universidade de Reims faz parte dos quatro comissários que desenvolveram esta exposição no Memorial da Shoah, em Paris, que inaugura esta terça-feira e vai estar patente até 8 de maio.

A mostra conta o papel dos diplomatas durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente a sua intervenção no Holocausto, após vários anos de investigação em diversos arquivos diplomáticos.

"Foi preciso fazer investigação e até colocarmos questões que até aqui não tínhamos colocado. Há falsas ideias, porque se pode pensar que todos foram cúmplices ou que muitos ajudaram ou até que não tinham nada a perder, sem correr riscos. E não é verdade. Agora, finalmente, temos tempo para analisar os detalhes", explicou a investigadora, que vai lançar um livro sobre a ação dos diplomatas franceses durante o regime de Vichy.

Num percurso que vai desde explicar os diferentes títulos diplomáticos, como embaixador ou cônsul, passando pela conferência de Evian onde em março de 1938 a comunidade internacional virou as costas a centenas de milhares de refugiados judeus austríacos, até aos exemplos dos diplomatas que ajudaram na fuga e aqueles que nada fizeram, o objetivo dos comissários era mostrar a complexidade destas funções perante um genocídio.

"Os heróis devem ser colocados num contexto, no seu meio. Nesta exposição falamos dos diplomatas que salvaram vidas, mas também dos que mataram, como é o caso de muitos diplomatas alemães, e dos diplomatas que viraram as costas, que não quiseram ver", explicou a co-comissária, reforçando que os diplomatas "são funcionários que representam uma determinada política, mas não são eles que a criam".

Assim, Aristides de Sousa Mendes tem um lugar de destaque entre os diplomatas que desobedeceram ao seu regime, com fotografias do cônsul português e também dos vistos concedidos entre Bayonne e Hendaye em junho de 1940 a figurarem na exposição. Outros exemplos estão ao seu lado, como Raoul Wallenberg, diplomata sueco que salvou milhares de pessoas em Budapeste, ou Ho Feng Shan, cônsul-geral da China em Viena, que também salvou milhares de judeus.

Ao mesmo tempo, a exposição mostra como o regime de Vichy, imposto em França após a ocupação alemã, e outros regimes sabiam do genocídio levado a cabo contra os judeus, mas nada fizeram para impedir as deportações para a Alemanha.

"Havia diversas fontes de informação que nos mostram que o Holocausto já era conhecido pela maior parte dos decisores políticos no início dos anos 40. A diferença é que os diplomatas tinham uma ligação direta aos seus Estados", explicou André Kaspi, professor emérito da Sorbonne e co-comissário da exposição.

Entre "Os Justos entre as Nações", título atribuído às pessoas que ajudaram a salvar judeus durante a Segunda Guerra Mundial, figuram 40 diplomatas, entre eles dois portugueses, Aristides de Sousa Mendes e Carlos Sampaio Garrido, embaixador de Portugal em Budapeste entre 1939 e 1944, e dois diplomatas brasileiros, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, funcionária consular em Hamburgo, e Luiz Martins de Souza Dantas, embaixador do Brasil em França.

Atualmente, o papel dos diplomatas na construção da história, especialmente perante grandes tragédias coletivas continua a ser difícil de definir e medir, mas há evoluções positivas.

"Na administração francesa, pelo menos, hoje há seminários sobre a importância da desobediência civil e de que forma é que um funcionário deve refletir quando tem de tomar certas decisões, mas claro que não há nada formal que proteja os diplomatas. Acho que a mentalidade diplomática continua a ser a mesma, especialmente se um regime é legítimo e legal, por exemplo Vichy foi reconhecido por 40 países, mas há uma consciência de sentido de Estado que evoluiu", concluiu Catherine Nicault.

A exposição "Os diplomatas face à Shoah" é acompanhada por um ciclo de conferências no mês de fevereiro, onde no dia 13 se vai debater a diplomacia dos países neutros, com a presença da investigadora portuguesa Irene Pimentel, e no dia 20 de fevereiro vai ser mostrado o documentário "A Herança de Aristides", com a presença do realizador, Jorge Helft, o neto de Aristides Sousa Mendes, Gérald Mendes, e Jérôme Prudent, que montou o filme.

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