
Na Sociedade de Geografia, que por minutos se transformou num aquário, encontrámos o virtuosismo de Peixe no dedilhar da guitarra sem o embalo elétrico. “Apneia”, tema que dá nome ao longa duração saído este ano, marca a entrada da guitarra no universo da ficção científica. Seria a banda sonora perfeita para acompanhar a leitura do “”20000 Léguas Submarinas”.
Na Casa do Alentejo, os Nicotine`s Orchestra serviram uma sinfonia onde, no lugar de violinos, tubas ou flautas, há bateria, teclados, muita eletricidade e uma voz com o poder de alterar a gravidade. Blues, rock e um cheirinho a trópicos, numa música abundante em variações rítmicas e desvios sonoros, que se torna numa imensa celebração.
Entrámos no Tivoli com uma fila que se estendia até muito perto do Sr. Marquês, fosse para ver Michael Kiwanuka ou garantir lugar para os Django Dajngo. A verdade é que ambas as hipóteses pareciam dignas de uma missão com a cara de Tom Cruise, e é aqui que reside o perigo mexefestiano: o de ficar à porta.
O britânico Kiwanuka, rapaz para os seus 24 anos, tem sido uma caso sério de popularidade na Britânia e além fronteiras. A edição de “Home Again”, disco de estreia, mostrou-nos um blues bem medido e uma voz que, ainda não se meta em grandes extravagâncias, é de uma melodia que cativa, desde que tomada em doses controladas.
“Tell me a Tale” entra no espírito da motown e promove o amor a duas ou mais velocidades; “Worry Walks Beside Me”, cantada de forma sentida, é canção para promover até a reconciliação mais improvável; “Bones” é blues campestre, modulado por um piano que dança em bicos de pés; “Rest”, canção onde houve apenas lugar para a guitarra acústica, o baixo e a voz, enviou-nos rua abaixo com a necessidade louca de um chocolate quente para que as recordações de amores perdidos não saltassem do baú.
E que melhor remédio para fazer calar a melancolia do que uma viagem até ao coração de África, ontem a palpitar no Rossio? Somos recebidos por um guerreiro tribal que dá as boas-vindas em jeito de pacificação, como que a mostrar que, apesar da crítica social e do espírito contestatário que a banda emprega, o que se deseja mesmo é fazer a festa.
Se há dois anos a banda incendiou o Tivoli, tendo agora de se contentar com uma estação com vista para o castelo, nem por isso o espírito de entrega foi diferente. No palco há o fantasma de José Eduardo dos Santos, passeiam danças e máscaras tradicionais africanas, despeja-se água junto às primeiras filas em jeito de “Macumba” - tema que, a certa altura, nos remete para o território que os Leftfield exploraram de forma divina em “Leftism” -, conta-se a história do kuduro num ecrã em fundo, enquanto os rappers de rua contam toda a verdade sobre Angola.
Vindos de terra de sua majestade, os Django Django fizeram de 2012 o ano do grande contentamento para muito bom indie, fazendo acreditar que o verão poderia durar para sempre - pelo menos na cabeça e no corpinho de cada um. O quarteto, vestindo uma indumentária comum de camisa preta com uma espécie de estrelas brancas pintadas por um surrealista, abriu com uma vocalização a la Beach Boys tomando ácido no topo da montanha mágica de Thomas Mann.
A postura da banda faz recordar um pouco os tempos iniciais dos Franz Ferdinand, onde a uma aparente apatia inicial se segue um disparo que acaba em delírio colectivo. “Life´s a Beach” é tudo aquilo que os The Stones poderiam ter sido se tivessem tido juízo; “Storm”, que abre com batida marcial, abre de forma oficial e algo permanente a pista de dança; em “Skies Over Cairo” viajamos até às areias quentes África e entrevemos Cleópatra e o seu Júlinho a banhos; “Defaullt” entra com um espírito benny bennasiano antes de aventurar num rock gingão.
No planeta onde moram os Django Django há um pouco de tudo: o espírito veraneante e as vocalizações à moda dos Beach Boys, os sonhos da pop grandiosa dos The Stone Roses, o devaneio westerniano de entra à má fila em saloons empoeirados, o fulgor de uma boys band dos anos sessenta que, entrada num delorean temporal, descobriu precocemente a música eletrónica. “Não acredito que nunca cá tivemos”, lançam às tantas perante a aclamação popular. Que regressem quando o sol começar a fazer das suas.
Quando tudo fazia crer que a noite estava arrumada, os Efterklang trataram de servir numa bandeja dourada o melhor concerto do mexefest. Contando com uma qualidade sonora que tinha a palavra “excelência” tatuada em cada um dos braços, o grupo dinamarquês serviu uma ceia à descrição onde se pôde provar um pouco de tudo: experimentalismo, arte de bem tocar, ópera de luxo, interacção com o público e muita, muita emoção.
Casper Clausen herdou a veia romântica e a postura de Bryan Ferry, atuando como condutor de uma companhia que, à componente musical, alia um lado cénico e teatral que cairia que nem uma luva num filme de Hal Hartley. A atuação girou à volta do novo “Piramida”, nascido com a ida de três membros da banda a uma aldeia fantasma onde gravaram todo o tipo de sons que foram matéria-prima e inspiração para o disco.
“Step Aside” mostra uma malha de inspiração Lambiana à frente da qual se passeiam violinos e um coro de anjos; “Black Summer” é banda sonora para o genérico de abertura de um 007 on ice com um toque de orientalidade; “Dreams Today”, onde ecoam passos e se vislumbra uma estranha dança, é de uma beleza surpreendente.
Para muitos, ficará gravada a imagem das muitas mãos segurando o fio do microfone de Casper Clausen enquanto este percorria as filas da frente para uma merecida comunhão, ou quando este bate no peito em “I Was Playing Drums”, como que a dizer: “o nosso amor pertence-vos”. Houve tempo para abraços, risos e mesmo até lágrimas, num concerto que, se não foi um épico à moda do bravo Ulisses, terá andado lá perto.
Até para o ano ou, como se diz na Dinamarca, Selv om året!
Texto: Pedro Miguel Silva
Fotos: Guilherme Sousa
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