Palco Principal – Sabemos que o nome da banda foi inspirado numa publicidade que viram afixada num banco… Que outros pormenores do quotidiano influenciam o vosso processo criativo?

Trêsporcento – Tudo influencia. Estamos inseridos num meio urbano, numa cidade que tem uma cultura própria, ambientes próprios. Somos influenciados pela própria música que ouvimos, pelos concertos a que vamos, pelos muitos amigos que temos a tocar… Tudo influencia o nosso processo criativo. O ato de ler um livro, de ir ao cinema, por exemplo, são experiências que nos ajudam a criar.

PP – Em novembro passado chegou o vosso mais recente disco de originais. Porquê “Quadro”?

Trêsporcento – O “Quadro” tem uma razão muito concreta de ser. Na altura, pedimos a um amigo que, numa primeira audição do nosso CD, pintasse numa tela em branco o que a audição o inspirasse a pintar. O resultado foi um quadro. Como o álbum ainda não tinha nome, pedimos ao pintor para nomear a obra que tinha feito, de forma a que esse nome servisse de título para o álbum. Só que o nome que ele deu à obra foi “Sem título”. Então, achámos que fazia sentido, visto a capa ser um quadro, chamar ao álbum “Quadro”, como se fosse um quadro dos Trêsporcento. Visto ele já ter feito algumas coisas para nós anteriormente e ser apreciador do nosso trabalho, a pintura em si, se tiver que representar alguma coisa, representa um encontro entre ele e a nossa música.

PP – Desde o vosso primeiro EP que o vosso processo de criação é totalmente independente, livre das eventuais influências de qualquer editora ou entidade semelhante. É uma escolha vossa ou uma «imposição» do panorama musical atual?

Trêsporcento – Somos indie por inevitabilidade, nunca ninguém nos quis assinar e nós também não procurámos muito – decidimos fazer as coisas à nossa maneira. Quando se caracteriza esse universo indie, fala-se um bocado da independência e, realmente, nesse campo nós somos independentes. Este álbum teve o apoio da Azáfama, foi lançado com o carimbo deles, mas fomos nós que o gravámos, com o nosso dinheiro. Quando chegámos à editora, o álbum já estava finalizado. Foi uma espécie de parceria. Primeiramente, tínhamos acordado começar a trabalhar juntos no campo do booking e do management, mas, quando percebemos que eles estavam com vontade de fazer edições, achámos que tal parceria fazia sentido.

PP – Os Trêsporcento representam, portanto, o verdadeiro conceito de banda indie. Como se sentem quando esta palavra é usada para descrever bandas que são tudo menos provenientes de mundos independentes?

Trêsporcento – Não somos grandes adeptos da palavra. Ela teve sentido nos anos 70, quando surgiu. As bandas que surgiram nessa altura, fora do circuito das grandes editoras, acabavam por ter algumas semelhanças artísticas entre elas e, às tantas, criou-se um género a partir disso. O género indie é um efeito secundário desse fenómeno. A palavra quer dizer, única e exclusivamente, independente e, hoje em dia, é absurdo ver bandas como os The Strokes utilizarem tal conotação. Até porque o indie é o contrário de pop, por isso, tu dizeres que uma banda é indie pop soa a contradição.

PP – Cantam, desde o início, em português, ou houve alguma fase de experimentação?

Trêsporcento – Por acaso, ainda houve, no início, um original cantado em inglês, mas foi o único. O cantar em português foi algo que surgiu de forma natural. Nunca falámos, sequer, em línguas. Na nossa opinião, existem dois motivos para uma banda portuguesa decidir cantar em inglês: o primeiro é se tiver ambição de internacionalização, o que é legítimo – há bandas, nomeadamente no mundo do metal que, se cantassem em português, não teriam nem um quinto dos concertos que têm pela Europa -; e o segundo é porque é mais fácil. Rock e pop feitos em inglês é meio caminho andado para a coisa soar bem. A crítica que pode ser feita a bandas portuguesas, e não só, que cantam em inglês é a de serem um pouco desleixadas nas letras. Temos reparado que, quando aparecem bandas novas em Portugal, geralmente a crítica às letras só é feita quando as bandas cantam em português. Até na própria Internet: se uma banda canta em português, aparecem logo críticas sobre a letra; quando canta em inglês, ninguém liga. Portanto, nesse sentido, é mais fácil cantar em inglês – mas é também menos interessante. No nosso caso, assumimos o processo de escrita como uma parte essencial da estrutura da música.

PP – A propósito deste assunto, o Vitorino fez, recentemente, umas declarações que despoletaram alguma polémica e agitação no mundo da música…

Trêsporcento – Relativamente às declarações do Vitorino, não nos podemos esquecer que ele fez uma publicidade para uma marca de telemóveis em que cantava o All Together Now… Quando ele fez tais críticas, não deve ter pensado bem no que estava a dizer. O que ele disse deve ter sido fruto de alguma irritação momentânea com alguma banda em específico… Saiu-lhe… Só se questiona o facto de uma banda cantar em inglês se o estiver a fazer mal, se o gajo tiver uma má pronúncia, se aquilo não soar bem, ou se a letra não fizer sentido.. Agora, se estiveres à vontade, vale tudo – até em espanhol!

PP – Aproxima-se a grande festa da Azáfama, a decorrer no Teatro do Bairro, em Lisboa, no próximo sábado, dia 6 de abril, na qual vão participar. O que podemos esperar da vossa prestação no evento?

Trêsporcento – A única coisa que podemos dizer é que a ideia não é fazer seis concertos independentes, mas sim fazer um espetáculo integrado que represente a Azáfama, com muitas surpresas à mistura. Como existe amizade entre a maior parte das bandas da Azáfama, vai haver uma espécie de swing musical… [risos].

PP – Um pouco como o que aconteceu no Mercado da Ribeira, onde se juntaram bandas como os You Can’t Win Charlie Brown, Minta & The Brook Trout, Walter Benjamin, Márcia…

Trêsporcento – Imaginamos que o que se vai passar na festa da Azáfama seja um pouco mais selvagem… Da nossa parte, pelo menos, será um bocado mais punk, mais virado para o espírito rock n’ roll…

PP – Têm estado atentos aos cartazes dos festivais portugueses? Numa primeira análise, que nome vos salta mais à vista? E que nome gostariam de ver confirmado, que ainda não tenha sido?

Trêsporcento – O único que nos saltou à vista foi o Nick Cave no Optimus Primavera Sound. Mas nunca aconselharíamos uma banda que gostássemos de ver cá a marcar presença num festival, porque concertos em festivais sabem sempre a pouco, são feitos em condições que nem sempre são as melhores, e habilitam-nos a assistirmos a um concerto de uma banda que gostamos ao lado de alguém que está na conversa e à espera que venha outra banda qualquer. São concertos que deixam sempre a desejar. Mas gostaríamos de ver cá, sem dúvida, os Typhoon. São um grupo que representa um bocado o espírito festivaleiro, fazem rock num estilo muito similar aos Arcade Fire. São uma espécie de comunidade, vivem todos juntos e são meios hippies, com um espírito muito indie. Não dá para perceber quando estão em palco, ou quantos deixaram de estar… São tipo os Kelly Family, mas em versão indie [risos].

PP – E os Trêsporcento num festival? Já houve propostas?

Trêsporcento – Ainda não, para grande infelicidade nossa. Mas ainda temos esperança, ainda estamos longe do verão. Já no ano passado tínhamos essa esperança e não aconteceu. Infelizmente, ainda há muito pouco espaço para bandas portuguesas em festivais. Os cartazes deviam ser estruturados com nomes portugueses e depois deviam ser polvilhados com nomes estrangeiros. Para quê gastar balúrdios para trazer bandas estrangeiras se depois não pagam às bandas portuguesas para lá irem? Aparentemente, falou-se em ter num festival, este ano, bandas portuguesas a tocarem três ou quatro músicas nos intervalos das atuações de bandas internacionais. Portanto, é esta a integração que se quer das bandas portuguesas nos festivais. Não faz sentido, principalmente porque o futuro da indústria não é estar a pagar rios de dinheiro para viram cá bandas de fora tocar, quando por um décimo desse valor se conseguem ter as dez melhores bandas portuguesas num festival. Não percebemos por que os Linda Martini não estão em todos os cartazes dos festivais em Portugal. Os Capitão Fausto, por exemplo, deram um grande concerto no Super Bock Super Rock, no ano passado… Muito melhor do que o dos Bloc Party, que vieram a seguir… Mas muito melhor mesmo! Sem comparação. Se calhar estavam três mil pessoas a ver os Capitão Fausto, e depois vieram dez mil para verem os Bloc Party em versão reciclada. A indústria tem que se agarrar à música e aos músicos locais, essencialmente. Não é estar sempre a importar… Em Portugal só se importa. Mas isso tem um bocado a ver com o público, também. Os promotores ainda têm algum medo da aceitação do público… Hoje em dia, ainda se ouvem exclamações do género: “o quê? Isto afinal é português?”. Isto depois de alguém descobrir que uma música que andava a ouvir há imenso tempo é, afinal, portuguesa. Portanto, enquanto houver esse preconceito da malta ficar surpreendida por ver uma coisa de qualidade ser feita em Portugal, é complicado para um promotor apostar em música nacional…

Manuel Rodrigues