
Foi a recitar uma carta de amor à lua (podem ler o poema completo aqui) que Sandy Kilpatrick, escocês sem saias e a viver em Portugal, abriu a edição de 2011 do Sintra Misty. Sempre com boa disposição e muita conversa, Kilpatrick apresentou meia dúzia de temas à guitarra, numa atuação que serviu de aperitivo mas nunca esteve perto de poder ser servida como prato principal.
Momento de intensa boa disposição foi quando Kilpatrick decidiu tocar um tema acompanhado da harmónica, ao estilo de Bob Dylan. Começou logo por avisar que aquilo costumava correr mal, já que o instrumento tinha tendência para cair. Porém, ao primeiro sopro e vendo que a sintonia e a afinação com a guitarra estavam difíceis de conseguir, libertou-se do instrumento e decidiu continuar só com a guitarra. “Também nunca gostei muito de harmónica”, confessou a seguir, perante uma plateia rendida à boa disposição do escocês.
Para a despedida ficou mais um poema – “One Glorious Moment” –, que nos fez lembrar o clássico trainspottiniano “Choose Life. Choose a job. Choose a career. Choose a family. Choose a fucking big television, choose washing machines, cars, compact disc players and electrical tin openers…”. Saiu de cena com um “Everybody´s Beautiful”, num concerto onde a simpatia e o humor compensaram alguma falta de espírito inventivo.
Depois da conversa quase ininterrupta de Sandy Kilpatrick, chegou a vez de Stuart Staples pisar o palco do Centro Cultural Olga Cadaval, envolto num manto de silêncio e sedução – imagem de marca e também uma clara questão de feitio.
Staples revisitou temas seus, dos Tindersticks e apresentou ainda algumas cações novas, num concerto muito intimista e que resultou em pleno numa sala com uma acústica e definição de som de se lhes tirar o chapéu.
Acompanhado de David Boulter (teclados e percussão) e Dan McKinna (contrabaixo), Stuart Staples levou-nos numa visita guiada à câmara dos segredos dos Tindersticks, ao lugar secreto onde nascem as canções negras, românticas e sublimes que a banda vem inventando desde 1992.
É depois de iniciar o concerto com cinco temas da banda – “Running Wild”, “Patchwork”, "City Sickness”, "Dying Slowly” e “The Hungry Saw” – que Stuart Staples nos confidencia que os temas dos Tindersticks nascem daquela forma. Stuart à guitarra, a cantarolar um tema como que flutuando, até que a banda chega e trata de preencher o espaço musical para que nasça uma canção de corpo inteiro. Entrávamos assim, maravilhados, na sala de ensaios dos Tindersticks.
Em “Patchwork”, a sonoridade do vibrafone fez-nos pensar em gotas de chuva que teimam em não cair neste país; “City Sickness” foi despido da dança atrevida encenada em 1993 e recebeu um tratamento acústico onde Staples, iluminado do alto por doze projectores, tinha a seu lado as sombras e os vultos dos dois músicos que lhe emprestavam um ar de anjo caído; “The Hungry Saw”, com Dan McKinna a levar-nos pelas mãos de um contrabaixo enfurecido, mostrou que as mãos do diabo podem ser doces e tortuosas.
Depois de revisitar alguns temas de “Leaving Songs”, entre os quais “There is a Path” e “That Leaving Song”, houve lugar para alguns temas novos. Um deles teve o acompanhamento de uma caixa de ritmos (“need some machinery”, avançou Staples), que despertou a imagem de um triste tango dançado num clube nocturno barato; ou um outro onde se canta “i need to taste her pain” ao ritmo de uma valsa ameliana, e que teve direito a uma ovação estrondosa. “Devem ter adivinhado que foi a primeira vez que tocámos isto”, brincou Staples. E devia mesmo ser verdade.
Para o encore de tema único ficou reservado o clássico “Tiny Tears” (1995) mas, se alguém saiu ontem de Sintra com lágrimas nos olhos, estas não passaram de puro contentamento. Afinal, entrar na câmara dos segredos dos Tindersticks é algo com que muitos de nós sonhávamos desde 1992.
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