Terceira e última noite do festival Marés Vivas. Com um alinhamento de artistas de topo, avizinhava-se casa cheia, algo que se viria a confirmar com o decorrer da noite.

Coube a Nikolaj Grandjean, o norueguês catapultado para a fama com "Heroes And Saints", a honra de abrir as hostilidades. Ligando o fim de tarde ao início da noite, apresentou-se em palco sozinho, sendo pouco depois auxiliado por dois elementos - Mikkel Lomborg e Christian Winther - responsáveis pelo suporte vocal e instrumental.

Com uma vibe bastante descontraída e intimista, teve a oportunidade de mostrar ao público luso canções do seu álbum de estreia, "Carrying Stars", num espectáculo agradável e com alguns toques de bastante profissionalismo - nomeadamente no que diz respeito aos arranjos vocais, interpretados de forma exímia pela banda.

Ainda que sempre influenciada pelo horário de jantar (e não esquecendo a extrema dificuldade que se fazia sentir em encontrar lugar de estacionamento em redor do recinto), a adesão do público foi significativa, completando o ambiente ideal para o arranque da noite.

Coube aos belgas
dEUS pisar o palco de seguida.

Tom Barman e seus pares não podiam ter demonstrado melhor que continuam com a mesma energia de sempre, contagiando um público que, apesar da década que separava a noite da data de lançamento de grande parte das canções, fez questão de acompanhar as letras imaculadamente.

Ora com carisma rock'n'roll em temas como "Suds & Soda" ou "The Architect" , ora suaves e melancólicos em "Little Arithmetics" ou "Nothing Really Ends", alternando com os diálogos de Tom num português quase perfeito,
dEUS conquistaram a foz e foram responsáveis por um dos concertos mais marcantes do festival.

De seguida, coube a vez a
Editors, numa altura em que circular pelo recinto se tornava praticamente impossível, dada a quantidade de espectadores.

Repletos de energia e liderados pelo carismático vocalista Tom Smith,
Editors apresentaram toda uma panóplia de êxitos da sua discografia, numa espécie de "best of" ao vivo. Não faltaram temas conhecidos pelo público, entre os quais "Bones", "Munich" ou "Blood". Contudo, algo negativo viria a marcar o concerto irreparavelmente.

Iniciava-se o tema "Smokers Outside Hospital Doors", quando, após uma primeira tentativa sem sucesso, Tom Smith se afasta do teclado, saíndo rapidamente do palco, e seguido pelos restantes membros da banda. Durante quinze longos minutos, as luzes do palco foram a única companhia de uma audiência incrédula e que conspirava teorias sobre o motivo do abandono.

Por fim, Tom Smith regressa, pedindo desculpas e esclarecendo que a interrupção forçada teria sido devido a ter recebido choques eléctricos ao estar em contacto com o instrumento.

O concerto retomou e, ainda que o ambiente continuasse fantástico, foi notória a dificuldade em esquecer o sucedido, quer por parte da banda (nenhum dos elementos se voltou a aproximar do malfadado teclado), quer pelo público.

Para finalizar o festival, coube a
Ben Harper e aos seus Relentless 7 encantar as cerca de 24 000 pessoas que o aguardavam. Ídolo de milhares,
Ben Harper apresentou-se com o mesmo carácter que já o caracteriza, numa espécie de cruzamento entre o rock, a soul e os blues.

Num concerto de proporções épicas, que acabou por se estender por mais uma hora do que o previsto, Ben fez questão de caminhar pelas suas origens (na altura, com os Innocent Criminals), mas com a sua mais recente imagem musical, mais rock, sempre presente.

Houve espaço para vários episódios que em muito se assemelharam a jam sessions, e por onde surgiram rasgos frenéticos de slide guitar, misturados com um baixo de "The National Anthem" (dos galáticos Radiohead), uma cover de Billie Jean (Michael Jackson) ou até uma versão de "Heatbreaker" (Led Zeppelin) (notóriamente desconhecida pelo público).

Não faltaram também os temas esperados: "Diamonds on the Inside", "Burn One Down", entre muitos outros. Um concerto que, para muitos, poderia ter tido as proporções inversas, com mais soul e menos jamming, mas ainda assim, uma demonstração de profissionalismo e bom trabalho.

Acaba assim em beleza a edição de 2010 do Marés Vivas, um festival como poucos, situado numa zona magnífica do norte do país.

Texto e fotografia: Sérgio Castro (
thatsound.org)