
É estranho, mas não raro, que o maior sucesso de uma banda pareça tornar-se, com o tempo, a sua maldição. Que o digam, por exemplo, os suecos Europe, com uma carreira de mais de trinta anos, muitos e excelentes álbuns, mas de quem o grande público (e as rádios e as televisões) parece só reconhecer “The Final Countdown”, repetido até enjoar. “More Than Words” foi o hit #1 dos Extreme, abrindo-lhes as portas da fama logo ao segundo álbum. Mas terá sido, também, um “presente envenenado”. Aconteceu o mesmo com várias bandas de aspirações hardrock/metal, que viram a sua credibilidade junto da comunidade metálica ferida por uma balada que, de repente, está em bandas sonoras de telenovelas e que toda a gente cantarola na paragem do autocarro. E, no entanto, é, sem dúvida, um dos temas mais bonitos e facilmente reconhecíveis do rock, e isso ninguém lhes pode tirar (e Nuno Bettencourt fez questão de colocar a bandeira portuguesa no set do videoclip e isso também ninguém nos pode tirar!). Só a banda poderá fazer esse balanço e dizer, passados tantos anos, se valeu a pena. Para quem esteve, ontem à noite, frente a frente com uns Extreme em excelente forma, valeu a pena, sem sombra para dúvidas.
"Pornograffitti", de 1990, foi o álbum de maior sucesso, até ao momento, da banda sedeada em Boston (agora com formação 50% lusa: Gary Cherone na voz; Nuno Bettencourt nas guitarras, teclados, percussão e coros; Pat Badger no baixo e Kevin Figueiredo na bateria – o único elemento que não fazia parte da formação original), e também a razão de ser desta digressão. Multi-platinado e atingindo a décima posição da tabela Billboard 200, este foi, ainda, o álbum de afirmação de Nuno Bettencourt como guitar hero, um título que parece assentar-lhe cada vez melhor, com uma confiança e um domínio sobre o(s) instrumento(s) que demonstram bem por que está, facilmente, entre os melhores do mundo. De “Pornograffitti” saíram quatro singles – “More Than Words”, “Hole Hearted”, “Decadence Dance” e “Get the Funk Out”. Não é de estranhar, portanto, que a banda tenha decidido surpreender os fãs com uma digressão mundial de homenagem ao seu disco mais icónico de sempre, aquele que lhes permitiu realizar vários sonhos e os deu a conhecer ao mundo.
E foi o álbum na íntegra, por ordem, sem tirar nem por, que os fãs portugueses tiveram oportunidade de ouvir e desfrutar na primeira parte do espetáculo. Uma verdadeira explosão de funk metal dançável, muito técnico mas bem disposto e cheio de um groove contagiante, onde só a espaços nos permitimos dar conta da forte carga irónica dos conteúdos líricos, profundamente críticos da decadência da sociedade norte-americana (e, no fundo, do mundo ocidental), no início da década de 90. “Decadence Dance” abriu, sem surpresas, o alinhamento e marcou o ritmo alucinante que iria seguir-se até ao fim, entrecortado, apenas, pelos momentos mais intimistas proporcionados por, claro está, “More Than Words” (com o público a “calar” o vocalista), “When I First Kissed You” – com Bettencourt e Cherone a evocarem o típico piano bar nova-iorquino – e pelo hino “Song for Love”.
Entre muitas bandeiras dos Açores elevadas entre o público e pequenos diálogos em português (com destaque para um ilustrativo "Ai Jesus!" no início da tremenda “Flight of the Wounded Bumblebee”), ficou claro que, além da grande qualidade da banda, que há muito não passava por cá e que justificou casa cheia, havia ali uma cumplicidade especial. E dessa cumplicidade surgiu um encore mais alargado do que o que tem sido apresentado ao longo da digressão, com direito a “discos pedidos” e tudo. Estavam previstos seis temas, representativos do resto da discografia da banda, a abrir com “Play With Me”, do álbum de estreia, de 1989, onde Figueiredo deixou bem claro por que é que merece um lugar nos Extreme, seguido de dois temas de “Three Sides to Every Story”, de 1992. “Midnight Express” – um belíssimo instrumental de Bettencourt, de inspiração western - foi o único tema de “Waiting for the Punchline”(1995) e, antes de “Take us Alive”, do álbum “Saudades de Rock” (que marcou o regresso dos Extreme aos discos, em 2008, depois da reunião), o público pediu “Color Me Blind” e a banda, apesar de não tocar o tema há bastante tempo, fez-lhe a vontade. “Cupid’s Dead”, de 1992, fechou uma noite intensa, de grande significado para o público português que, de certo modo, viu regressar a casa os seus filhos pródigos.
Durante a pausa de mais de uma década, que se seguiu à separação amigável, em 1996, os Extreme viram Gary Cherone aventurar-se como vocalista dos Van Halen, depois da saída de Sammy Hagar, e Nuno Bettencourt experimentar vários estilos musicais e parcerias (entre as quais, uma com Lúcia Moniz) e aprofundar o seu trabalho como produtor. Mas a vontade de revitalizar o projeto surgiu e, em 2008, a parceria Bettencourt/Cherone voltou a dar frutos. O tempo não parece passar por eles e, depois do revivalismo pelo período áureo e da reconexão com o público, podemos esperar notícias dos Extreme para breve. Portugal não vai, certamente, voltar a falhar no itinerário.
Alinhamento:
Decandence Dance
Li’l Jack Horny
When I’m President
Get the Funk Out
More Than Words
Money (In God We Trust)
It(‘s a Monster)
Pornograffitti
When I First kissed You
Suzi (Wants Her All Day What?)
Flight of the Wounded Bumblebee/ He-Man Woman Hater
Song For Love
Hole Hearted/ Crazy Little Thing Called Love (Queen’s cover)
Encore
Play With Me
Rest in Peace
Am I Ever Gonna Change
Midnight Express
Color Me Blind
Take Us Alive
Cupid’s Dead
Texto: Liliana Pereira
Fotografias: Marta Ribeiro
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