José Pedro Amaro dos Santos Reis ou Zé Pedro, como era conhecido pelos amigos, guitarrista e, definitivamente, figura central do Xutos & Pontapés, deixou-nos em 2017, aos 61 anos.
Continuamente relembrado em homenagens atrás de homenagens, difícil mesmo é alcançar toda a trajetória de um músico que, aos 22 anos, colocava um anúncio de jornal que dizia "Baterista e baixista precisam-se para grupo punk”. Foi o primeiro grande passo para a formação da banda.
E de certa forma foi o único grande passo, como demonstra o documentário-homenagem de Diogo Varela Silva, realizador, produtor, entusiasta musical e também amigo de Zé Pedro, que o relembra, a ele e à sua presença iluminada, que integram uma precisa história do rock português.
“Zé Pedro Rock N’Roll” (título partilhado de uma rubrica de rádio em o próprio guitarrista participava) é um modesto gesto de memórias coletadas que funciona como o tributo possível a um dos portugueses mais queridos do século XX. Uma posição explicada pelo realizador nesta entrevista sobre um dos mais esperados documentários portugueses que depois de uma estreia emocionante no Doclisboa e de ter estado previsto para 30 de abril, chega aos cinemas numa altura em que estes tanto precisam de voltar a juntar as pessoas.
Como é explícito no documentário, o Diogo conheceu pessoalmente o Zé Pedro, dando a entender que partilhou histórias com ele. O que o fez embarcar neste projeto?
Fazer um filme sobre um amigo que não já está por cá. Partir do pressuposto, que a partida não se deve seguir, de homenagear alguém.
Ou seja, com esta recolha de histórias e de material, o filme foi todo processo emocional.
Sim, mas dessa forma encontrei a minha própria maneira de fazer o luto.
O título do filme é apropriado do título da rubrica radiofónica onde Zé Pedro participava. Como chegou e o porquê deste título?
Sim, na Radar, com o Pedro Ramos. Se existia um rocker em Portugal, esse rocker era o Zé Pedro. O maior do país. "Zé Pedro Rock’n’Roll" é uma associação inseparável e, por isso mesmo, pareceu-me fazer todo o sentido, da mesma maneira que o Pedro Ramos propôs o nome para a tal rubrica.
Visto o filme, não somente linear a vida de Zé Pedro, mas também mostrar em paralelo a história do Rock português, nomeadamente aquele nascido na noite de Lisboa. Gostaria de pegar numa das suas produções – “Cabaret Maxime”, de Bruno de Almeida – do qual apresenta uma típica “noite” lisboeta, para me falar deste ambiente noturno da capital que já estava ameaçado ou desaparecera, mesmo antes da pandemia.
Em primeiro lugar, o “Cabaret Maxime” poderia acontecer em qualquer outro lugar. Aquela Lisboa é um não-lugar. Tudo resume a gentrificação que está a matar o país, neste caso tornou Lisboa naquilo que era antes do COVID. Agora, a curiosidade será ver como arrumamos isto pós-pandemia. No caso do filme do Zé, quis pautar as músicas das várias épocas, dos anos 70 até agora, retratar a história da nossa musicalidade, e do que seria a banda sonora da vida dele. Temos ali a história do rock português através de uma só figura.
Claramente, o Zé Pedro era a figura central da banda Xutos & Pontapés.
Acho que eles são todos personagens bem vincadas, carismáticas aliás. Apesar de, possivelmente, o Zé ter sido o mais carismático deles todos. Mas também acredito nisso.
Acha que houve um aproveitamento em relação da morte do Zé Pedro? Na comunicação social ou nos enésimos concertos em seu tributo?
É normal que façam esses tributos, assim como para toda a gente. Ele era realmente muito querido para toda a gente. Lembro-me de uma altura em que o Mário Soares era Presidente da República e que fizeram uma sondagem de quem era as personalidades mais importantes deste país: em primeiro estava o Mário Soares e em segundo estava o Zé dos Xutos’. Isso não é de agora. E daquilo que conheci dele, ele gostava disso. Por isso, quantas mais homenagens aparecerem, melhor.
Trailer "Zé Pedro Rock’n’Roll".
Visto que o filme obteve uma estreia lotadíssima e eufórica no Doclisboa, será esta a melhor altura para o seu lançamento comercial oficializado?
Não sei. Sinceramente, não sei. Apesar de achar que esta é uma boa altura para ir ao cinema. Se as pessoas vão para a praia todas juntas, mais rapidamente vão para uma sala de cinema com as devidas medidas de higienização em vigor. Eu já fui, mesmo com as máscaras e desinfetantes, e gostei de regressar a ver filmes em sala. É continuar. Temos que continuar a puxar as pessoas para irem ao cinema, porque esta é uma nova realidade. Temos que continuar a viver.
Apesar deste seu filme retratar o universo “roqueiro”, a sua carreira enquanto realizador é maioritariamente focado no fado. Relembro os documentários sobre figuras célebres deste género musical como Fernando Maurício ou Celeste Rodrigues.
Sim, a Celeste, a minha avó. Atenção, também tenho filmes fora do fado (de tango, por exemplo), não estou fechado ao tema. Também cresci com o rock. Mas é óbvio que é um tema familiar e ao fazer estes filmes, estou de certa forma a invocar memórias e questões do foro familiar.
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