Após receber fortes críticas, a editora Hachette anunciou esta sexta-feira (6) que não publicará a autobiografia do realizador de cinema americano Woody Allen, cujo lançamento estava previsto para o próximo 7 de abril.
"A Hachette Book Group decidiu que não publicará as memórias de Woody Allen, intitulada 'A Propos of Nothing'" [A propósito de nada] e "devolverá todos os direitos ao autor", disse Sophie Cottrell, porta-voz da editora, em comunicado.
Woody Allen foi acusado de ter abusado sexualmente de sua filha adotiva Dylan Farrow quando ela tinha sete anos.
Após duas investigações distintas de vários meses nos anos 1990, o procurador do estado do Connecticut responsável pelo caso de Dylan Farrow decidiu não indiciar o cineasta, mas declarou publicamente que suspeitava de Woody Allen. O estado de Nova Iorque também rejeitou avançar com acusações após uma investigação em separado.
Dylan Farrow, que tem o apoio da mãe adotiva, Mia Farrow, e do irmão Ronan, voltou a reforçar as acusações em 2018. O cineasta voltou a desmenti-las.
Na quinta-feira, funcionários da Hachette tinham protestado contra o anúncio da publicação abandonando as instalações da editora.
Numa declaração conjunta, afirmaram: "Somos solidários com Ronan Farrow, Dylan Farrow e os sobreviventes de casos de agressão sexual".
Em reconhecimento, Dylan Farrow escreveu no Twitter estar “inacreditavelmente impressionada e incrivelmente grata pela solidariedade demonstrada pelos funcionários” do grupo editorial, e acrescentou que a decisão de Hachette de publicar o livro de Allen tinha sido "profundamente perturbadora” para si e “uma completa traição” ao irmão.
Ronan Farrow, filho de Woody Allen, criticou duramente a decisão e afirmou que deixaria de publicar as suas próprias obras pela Hachette, porque não desejava estar no mesmo grupo editorial.
"A Hachette não fez as verificações sobre o conteúdo deste livro", salientava.
"Isto demonstra a falta de ética e de compaixão pelas vítimas de agressões sexuais", acrescentava.
Em outubro de 2019, Ronan Farrow publicou "Catch and Kill", que fala do seu trabalho de investigação para revelar as acusações de assédio e agressão sexual contra o produtor de Hollywood Harvey Weinstein.
Esse livro foi lançado pela editora Little, Brown and Company, outra filial do grupo Hachette.
A fúria pela planeada publicação do livro de Woody Allen aumentou depois de o diretor executivo da Hachette, Michael Pietsch, ter afirmando, numa entrevista ao New York Times, que “cada livro tem a sua própria missão”.
“O nosso trabalho como editores é ajudar o autor a alcançar o que se propôs a fazer na criação do seu livro”, indicava.
O jornalista afirmou que a editora não entrou em contato com a sua irmã, Dylan Farrow, que acusa Woody Allen de abusos, o que constituia, segundo ele, uma "falta enorme de profissionalismo".
Num e-mail enviado a Pietsch por Ronan Farrow, este afirma que a política de independência editorial da Hachette “não o isenta das suas obrigações morais e profissionais como editor de ‘Catch and Kill’ e como líder de uma empresa chamada a ajudar nos esforços de homens abusivos que querem branquear os seus crimes”.
“Enquanto trabalhávamos em ‘Catch and Kill’”, que abordava “os danos que Woody Allen causou à minha família (...) você planeava secretamente publicar um livro da pessoa que cometeu esses mesmos atos de abuso sexual”.
Desde o início do movimento #MeToo, em outubro de 2017, Woody Allen viu regressarem as queixas de ter abusado sexualmente da sua filha adotiva Dylan Farrow quando ela tinha sete anos, em 1992.
Na segunda-feira, a editora Grand Central Publishing, filial do grupo Hachette, anunciara de forma surpreendente a compra dos direitos das memórias de Woody Allen.
De acordo com a editora, o livro "Apropos of Nothing" seria "um relato exaustivo da vida de Woody Allen, pessoal e profissional".
(*) Notícia atualizada a 9 de março, às 14h15.
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