"West Side Story - Amor Sem Barreiras" foi para o seu tempo um musical revolucionário: passava-se no tempo presente, nas ruas de Nova Iorque, tinha miúdos de jeans e de várias etnias e levantava o tema da discriminação racial quando o cinema pouco olhava para esse debate. O filme de Robert Wise e Jerome Robbins, adaptado do musical da Broadway de 1957 com música de Leonard Bernstein e letras de Stephen Sondheim, foi aclamado em toda a linha e venceu 10 Óscares.
A premissa: um Romeu e Julieta passado no West Side de Manhattan, centrado na história de amor entre Maria, irmã do líder dos Sharks, e Tony, ex-líder dos Jets, e nos conflitos entre os dois gangues rivais.
60 anos depois, Steven Spielberg faz a sua versão, que esta quarta-feira chega aos cinemas portugueses, naquela que é a primeira vez que o realizador dirige um musical. O seu "West Side Story" tem apenas atores hispânicos no grupo dos Sharks, ao contrário do original que tinha, por exemplo, Natalie Wood no papel de Maria, tem mais diálogos falados em espanhol e um maior aprofundamento dos temas raciais, que, na verdade, não mudaram assim tanto desde o tempo do último filme. A versão de Spielberg não se passa no tempo presente, mantém como pano de fundo a década de 50, troca a ordem de alguns números musicais e encena-os de forma diferente.
Antes da estreia, o SAPO Mag ouviu o cineasta, o argumentista Tony Kushner ("Anjos na América", "Munique", "Lincoln"), Rita Moreno - a icónica Anita do primeiro filme, que aqui regressa na reinvenção do papel de Doc (agora Valentina) - e as novas caras do elenco nas conferências de imprensa virtuais de apresentação do filme.
Do envolvimento de Stephen Sondheim no filme ao regresso de Rita Moreno
Com a notícia recente da morte do autor das letras das canções, a lenda da Broadway Stephen Sondheim, era inevitável que a conversa começasse por ele. "Ele foi a primeira pessoa com que me encontrei quando quis adquirir os direitos para fazer a nossa versão de 'West Side Story'. Foi a primeira pessoa com quem me sentei, na sua casa, em Nova Iorque, com ele e os seus cães", conta Steven Spielberg.
"Tínhamo-nos conhecido antes porque a minha produtora fez o 'Sweeney Todd' e depois noutra ocasião na Casa Branca, quando eu, ele e a Barbra Streisand recebemos a Medalha Presidencial da Liberdade. Sempre que o encontrava queria dizer-lhe: tenho um desejo desesperado de fazer a minha versão de 'West Side Story', mas as palavras nunca me saíam da boca. Falávamos de tudo menos disso, mas depois finalmente consegui", descreveu o realizador.
"Ele esteve muito envolvido no filme. O Tony [Kushner] teve um diálogo aberto com ele durante a escrita do guião e o Stephen esteve também lá durante toda a gravação das canções com os artistas. Ele esteve lá durante três semanas, cinco dias por semana, sentado ao meu lado no estúdio de gravação. Foi uma honra partilhar isso", acrescentou.
"O Stephen Sondheim disse que eu conheci na estreia do filme original em 1961 e que o pisei com o meu salto alto", conta a atriz Rita Moreno, que interpretava Anita no primeiro filme. "Disse-lhe que não tinha lá estado, mas ele achava mesmo que tinha sido eu. Talvez tenha sido a Chita Rivera [que interpretava Anita no musical de palco], quem sabe", lembrou, entre risos.
Veja o trailer do filme:
O argumentista Tony Kushner não ficou convencido à primeira quando Steven Spielberg o convidou para escrever esta nova adaptação ao cinema de "West Side Story". "Fui para casa e disse ao meu marido: o Steven pediu-me para fazer uma coisa absolutamente insana. Como é que me safo disto? Porque pensei: 'isto é uma coisa impossível'. O filme de 1961 é uma obra-prima, eu adoro o musical de palco. Senti que mesmo que fizéssemos um trabalho ótimo, seria ofuscado pelo original", recordou o argumentista.
"O meu marido disse que devia fazê-lo mas que tinha de me livrar da personagem Doc, devia tornar essa personagem na sua viúva, torná-la porto-riquenha e pedir à Rita Moreno para a interpretar". E assim foi, é nessa forma que voltamos a ver Rita Moreno neste "West Side Story" e até a contracenar com a nova Anita, interpretada por Ariana DeBose.
"Não vou dizer que não fiquei invejosa. Isso seria uma grande mentira. Quem me dera poder ser jovem de novo e fazer aquele papel outra vez", confessa Rita Moreno. "Mas isso não ia acontecer e eu tinha um papel incrível escrito para este filme. Adoro todas as cenas em que entro", salientou.
"Mas foi absolutamente estranho fazer a única cena que tenho com a Anita no filme. Foi estranho para ela mas foi ainda mais difícil para mim. Não parava de olhar para ela e estava a ter muita dificuldade em entrar na cena porque eu tinha de a salvar de ser violada. Eu fiz aquela cena no primeiro filme", explicou Rita Moreno.
Espanhol sem legendas e um filme passado na década de 50
Se for ao cinema ver o filme e achar que há algum engano quando, durante os diálogos em espanhol, não aparecerem legendas, desengane-se: "Isso foi intencional. Eles vão do inglês para o espanhol com a Anita sempre a tentar que o Bernardo e a Maria falem inglês. A Anita corrige toda a gente e está sempre a dizer 'por favor, estamos em Nova Iorque agora, por favor assimilem, por favor falem inglês'. Toda a história começa com o Tenente Schrank, claramente um racista, a dizer a toda a gente para falar em inglês. Achámos que, por respeito, não devíamos legendar o espanhol, explica Tony Kushner.
"Também quero que audiências que falem espanhol e que falem inglês se sentem juntas na sala de cinema e que quem fala inglês de repente ouça risos do outro lado da sala, porque somos um país bilingue e assim este filme parece ser para um país que é bilingue", acrescenta Steven Spielberg.
E porquê manter o filme na década de 50, o tempo do original, e não o trazer para o tempo presente, tal como o filme de 1961 fazia? À pergunta do SAPO Mag, Tony Kushner responde com dois motivos: "não há nada de datado na banda sonora, a música é intemporal, incrivelmente intemporal. Acho que sempre que ouvirmos aquelas canções vamos sentir que são de agora, não há nada de antiquado nelas. Mas eu e o Steven sentimos que a linguagem usada nas canções é a linguagem que ouviríamos dos miúdos naquela época, em 1957. Aquela linguagem é específica de um período e acho que essa foi uma das razões para mantermos o filme nos anos 60. Seria estranho ver aquelas canções no contexto de 2021".
"Para além disso, quando falámos inicialmente sobre o filme, o Steven disse-me que queria que tivesse algo de sujo, que queria que eles parecessem famintos e esse tipo de dureza, esse tipo de pobreza urbana, ainda que vergonhosamente não tenha desaparecido hoje, era algo muito próprio daquela altura no West Side", completou.
Novas caras, uma história de peso para carregar
Ansel Elgort ("A Culpa é das Estrelas", "Baby Driver") é a única cara mais reconhecível para o grande público do elenco de jovens atores que agora dão vida a este novo "West Side Story". É também dos poucos atores que não traz experiência no teatro musical. Ao seu lado como Maria tem Rachel Zegler, que depois disto será a Branca de Neve da versão em imagem real do clássico da Disney. Ariana DeBose, que traz experiência nos musicais de palco ou no filme de Ryan Murphy "The Prom", atriz negra de descendência hispânica, é a nova Anita e confessa nunca ter acreditado que conseguisse o papel.
"Nunca pensei que fosse um trabalho que conseguisse porque as Anitas não se parecem connosco. Elas parecem-se com a Rita Moreno. Fiquei muito espantada por o Steven e o Tony estarem abertos a ter essa conversa, porque não achei que isso fosse possível, pelo facto de ser uma mulher negra", explicou a atriz.
Tanto Ansel Elgort como Rachel Zegler, os novos Tony e Maria, não quiseram rever as interpretações originais de Richard Beymer e Natalie Wood para não ficarem presos a comparações. "A comparação era inevitável entre mim e a grande Natalie Wood. Acho que o filme original é um pedaço icónico da história do cinema e isso estava muito presente para mim. Mas não revisitei esse material porque não me queria comparar. Acho que isso é uma pressão desnecessária. Eu e o Ansel olhámos um para o outro no primeiro dia de filmagens e dissemos 'só quero que seja bom. só quero fazer um bom trabalho'", disse Rachel Zegler.
"O que é que eu podia trazer da minha experiência de vida que fosse diferente? Sou a primeira latina a interpretar a Maria, isso tem uma enorme importância", sublinhou.
"Sempre adorei o filme original. Sempre me disseram que, enquanto ator, não é suposto olharmos para interpretações de outros, é suposto criarmos nós", acrescentou Ansel Elgort, que interpreta Tony.
"West Side Story", de Steven Spielberg, chega aos cinemas portugueses esta quarta-feira, 8 de dezembro.
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