
O novo filme de Fatih Akin apresentado no festival de Cannes é sobre um rapaz de 12 anos que tenta amar a sua mãe, que apoia as causas nazis.
Não que o cineasta turco-alemão — que se popularizou a nível internacional com "A Esposa Turca" em 2004 antes de ganhar um Globo de Ouro por "Uma Mulher Não Chora", de 2017 — acredite que aqueles que ele vê como os seus equivalentes na atualidade sejam dignos de um pingo de empatia.
"As pessoas estão sempre a dizer que devemos tentar entender estas pessoas que votam na AfD", disse Akin, referindo-se ao partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha, acusado de assumir a retórica e a nostalgia nazis.
"Mas por que deveríamos ser compreensivos com pessoas que nos não querem entender?", pergunta em Cannes.
"Não me importa o que diga o JD Vance [vice-presidente dos EUA, que enfureceu os líderes alemães ao encontrar-se com membros da AfD]... Não lhes darei empatia. Nada de dar liberdade aos inimigos da liberdade", disse o realizador à France-Presse (AFP).

A agência de espionagem alemã classificou a AfD como "extremista" no início deste mês, permitindo-lhe monitorar o maior partido de oposição do país.
A AfD denunciou a medida como um "golpe contra a democracia" e a agência suspendeu a medida enquanto se aguarda o resultado de um recurso. Mas Vance também criticou a decisão original.
Mas no novo filme de Akin, "Amrum", ambientado na ilha homónima do Mar do Norte, no norte da Alemanha, nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, os espectadores sentem compaixão pelo miúdo que tenta salvar a mãe – uma fiel seguidora da ideologia nazi – quando mergulha na depressão após a derrota da Alemanha e a morte de Hitler.
No entanto, "não há compaixão pelo diabo... neste drama gracioso e profundo", escreveu Tomris Laffly, crítico da "bíblia" cinematográfica Variety.
Akin deixa claro que o filme é um alerta sobre o presente, com a AfD a emergir como o partido mais popular nas eleições alemãs no início deste ano.
"Na década de 1990, os nazis eram uns cabeças-rapadas com blusões na Alemanha Oriental", disse à AFP. "Hoje, estão por toda parte — a nossa família, os nossos amigos, os nossos vizinhos. Tocamos neles."
No filme, os nazis são uma minoria na ilha, assim como eram quando Hitler chegou ao poder em 1933, mas mandam em tudo.
"Banalidade do mal"
"Certas forças na Alemanha agora estão a tentar tornar o nazismo o mais 'mainstream' possível, para torná-lo chato e normal", alertou o realizador.
Akin vê a mesma "banalidade do mal" em líderes da AfD, como a a política e economista Alice Weidel.
"Ela é chata, sem carisma, antipática, sempre de fato", diz.
Akin extrai a frieza emocional e a crueldade do nazismo numa cena comovente do filme, extraída das memórias de infância do seu amigo e mentor, o realizador Hark Bohm.

Após o miúdo passar por um inferno para agradar à mãe, ela afasta-o quando ele chora nos seus braços.
"Foram bebés chorões como tu que nos fizeram perder a guerra", diz-lhe.
Há a mesma "frieza assustadora" em Weidel e na extrema direita alemã, argumenta Akin.
É essa "falta de humanidade" que assombra Akin, nascido em Hamburgo, filho de imigrantes turcos e que se tornou o cineasta alemão com menos de 70 anos mais aclamado pela crítica e mais bem-sucedido a nível internacional.
"Tenho medo que se 12 milhões de pessoas votam na extrema direita... isso significa que também existem 12 milhões de pessoas hostis na Alemanha?", pergunta.
"Amrum", protagonizado pela alemã e estrela de Hollywood Diane Kruger, repetindo a colaboração artística de "Uma Mulher Não Chora", recebeu críticas elogiosas em Cannes.
A publicação Screen Daily chamou-lhe "uma história delicada e bastante comovente de crescimento... que mostra a precisão que pode ser alcançada numa dimensão mais intimista" com um filme para toda a família.
Hark Bohm, de 86 anos, queria adaptar ao cinema o seu próprio livro, mas estava demasiado doente e passou o projeto a Akin, que lhe dedicou o filme, chamando-lhe de "um filme Hark Bohm por Fatih Akin".
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